A Petrobrás é apenas a ponta do iceberg de um fenômeno muito mais complexo do que parece. O pano de fundo do escândalo (não só da maior empresa brasileira, mas de todas as outras, quer públicas quer de economia mista), é o desrespeito que os petistas e satélites fazem aos conceitos de "público" e "privado". A separação das duas instâncias foi uma das maiores conquistas da modernidade. Não reconhecer as especificidades civilizatórias daquelas dimensões pode acarretar as seguintes situações:
1°) Uma absorção do público pelo privado gerando um ambiente de corrupção;
2°) Uma absorção do privado pelo público produzindo um quadro de totalitarismo.
O PT conseguiu a façanha de desenhar uma conjuntura onde as duas situações acima poderiam acontecer simultaneamente. Privatizou o público (com a transformação do erário em fonte de financiamento de suas atividades, além de serventia, não desprezível, de enriquecimento de seus maiorais), e publicizou o privado (politizando todas as dimensões da vida pessoal, desde a família até o pensamento, passando pela sexualidade e preferências estéticas, configurando o complexo conhecido como o "politicamente correto". Trabalham, enfim, com duas pinças, produzindo a dissolução da solidariedade social, numa concretização insólita da chamada anomia, ou perda de referências.
Talvez seja essa a grande singularidade do gramscismo à brasileira. Qual o veneno que dissolve a matéria das vítimas, antes dela ser sugada pela traiçoeira aranha no seu banquete particular, o petismo liquefaz as instituições visando conseguir, adiante, uma nova e teratológica ordem social. Reconhecer a validade de regras é algo que não lhes passa pela cabeça. Sua visão das normas constitucionais é Lassaliana. A lei maior é tão somente um pedaço de papel.
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Iracema...
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terça-feira, 11 de novembro de 2014
Modus in rebus - Horácio
Horácio, grande poeta romano, recomendou moderação a todos: "Est modus in rebus", disse ele em um de seus textos (Livro I, Sátira 1). Acrescentou, ainda: "sunt certi denique fines". Traduzido para o bom português a frase ficaria assim: Há uma justa medida em todas as coisas; existem, afinal, certos limites.
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segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Mais uma façanha de Dilma (editorial do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, de 10/11/2014)
"Ao tomar posse de seu primeiro mandato, em 1.º de janeiro de 2011,
a presidente Dilma Rousseff disse que "a luta mais obstinada" de seu
governo seria "pela erradicação da pobreza extrema". A dois meses do
fim desse mandato, descobre-se que o total de brasileiros considerados
miseráveis subiu 3,68%, de 10,081 milhões para 10,452 milhões, entre 2012 e
2013. Foi a primeira alta desde que o PT chegou ao poder, em 2003. Dilma,
portanto, foi incapaz de cumprir seu principal compromisso como administradora
- justamente aquele que ela invocou nos palanques para diferenciá-la dos
candidatos de oposição - e nada indica que ela terá melhor desempenho no
segundo mandato, pois a situação econômica atual é bem pior do que a de quatro
anos atrás.
Os números sobre a miséria constam de estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Esse levantamento deveria ter sido
divulgado em outubro, mas o Ipea, vinculado à Secretaria de Assuntos
Estratégicos, decidiu adiar a publicação, sob a alegação de que a legislação
eleitoral proibia a divulgação de dados que pudessem favorecer candidatos.
O governo não teve esse mesmo
pudor na campanha de 2010, quando o lulopetismo tentava levar o
"poste" Dilma à Presidência. Naquela ocasião, o Ipea divulgou dados
retumbantes sobre a redução da miséria na gestão de Lula, usados à vontade na
propaganda eleitoral para favorecer a candidata petista. Mesmo na última
campanha, Dilma foi à TV, em cadeia nacional, para trombetear que, "em uma
década, foram retirados 36 milhões de brasileiros da miséria" - e ela
acabou corrigida pelo próprio Ipea, que informou que a queda havia sido de 8,4
milhões.
Por fim, não há nada na lei eleitoral que impeça órgãos do
Estado de divulgar seus dados regulares durante a campanha. Torna-se então
evidente que o zelo do governo nada mais foi do que uma manobra para escamotear
números que revelavam as imposturas de sua propaganda - o que gerou uma crise
no Ipea, levando dois diretores a pedirem demissão. Numa eleição tão apertada
como a que reconduziu Dilma à Presidência, era preciso impedir que o eleitor
tivesse conhecimento de qualquer informação que desmentisse a retórica petista.
De acordo com o Ipea, a proporção de extremamente pobres passou
de 5,29% para 5,50% da população. A linha de extrema pobreza baseia-se em uma
estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias para
suprir as necessidades de uma pessoa, segundo a Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação e a Organização Mundial da Saúde. Ou seja, o
Brasil ainda tem mais de 10 milhões de pessoas que não conseguem se alimentar de
forma minimamente adequada.
Por esse critério, ressalta o Ipea, o número de pessoas em
situação de pobreza - cuja linha é o dobro da linha de extrema pobreza - caiu
de 15,93% para 15,09%. No entanto, se fosse levado em conta o critério do
programa Brasil sem Miséria, que estabelece a renda per capita de R$ 77 mensais
como linha de extrema pobreza, o porcentual de pobres no País seria menor, mas
também teria apresentado crescimento - de 8,9% para 9%. Também por esse
critério, o número de extremamente pobres seria de 8,05 milhões - um salto de
3,6% para 4% da população, ou 870.784 pessoas a mais.
Tal situação é particularmente constrangedora quando se recorda
que o combate à pobreza é cantado pelos petistas como a grande marca de seus
governos. Mas o fôlego dos programas de distribuição de renda só se mantém se
houver renda a ser distribuída - algo que a desastrosa gestão econômica de
Dilma comprometeu.
Para reverter o quadro, Dilma deveria recordar o que ela mesma
disse quando tomou posse em 2011. Primeiro, afirmou que "a superação da
miséria exige prioridade na sustentação de um longo ciclo de crescimento".
Depois, reconheceu que "a inflação desorganiza a economia e degrada a
renda do trabalhador", razão pela qual jurou que não permitiria, "sob
nenhuma hipótese", que "essa praga volte a corroer nosso tecido
econômico e a castigar as famílias mais pobres".
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Reforma política e lobby (Professor Roberto Romano)
(Publicado no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em 10/11/2014)
"Não é preciso ter a finura de Marcel Proust para
evocar as trapaças do tempo que toldam a memória e fragilizam a vontade. Santo
Agostinho tem duras páginas sobre a nossa desgraça na finitude, mortal fuga do
Eterno. Dele fomos expulsos pelo erro que nos trouxe a mentira e o declínio até
o Apocalipse. Em plano bem menor, os escândalos da vida econômica e política
escondem armadilhas que dominam a consciência pública, distorcida pela
falsidade cronológica. Temos notícias dos crimes e delitos de modo diacrônico:
toda manhã os jornais trazem os "malfeitos". Retomados, tais fatos
entorpecem os sentidos. Após alguns anos poucos indivíduos ouvem, olham,
sentem, inalam a podre desolação imperante nas instituições pervertidas pelos
interesses ilegais.
Sistemática, a vida coletiva pervertida tem outro
lado, o sincrônico: no instante em que uma quadrilha assalta certa repartição
ou instituto, outra age de modo igual em parte distante ou próxima do poder. A
máquina de moer princípios éticos opera em dois registros temporais. A
cidadania distraída sempre retoma a cantilena da indignação quando estoura um
escândalo, mas não busca o fio que une os atentados aos dinheiros públicos.
Como arrancar, na luz diurna, bilhões destinados às
políticas públicas? Ninguém pode fazer tal milagre isoladamente. Para o sucesso
toda uma rede é armada, técnicas precisam ser movidas, hábitos comuns reúnem os
meliantes. A corrupção não é singular, mas necessariamente coletiva. Estudos
analisam os atos de quem rouba o erário. A intelecção dos agentes corruptos une
as trocas de favores, "amizades", apadrinhamentos, interesses sociais
e políticos (J. Boissevain, Friends of Friends: Networks, Manipulators and
Coalitions, 1974).
Para corromper normas e projetos são inventadas
novas e sutis formas de acesso às informações, às pessoas, às influências. Uma
estrutura triádica, no entanto, sempre opera no setor escuro da vida política:
existem os clientes, postos nos dois lados do balcão, e os agenciadores (os
brokers), que distribuem cargos e recursos, garantem fidelidade aos pactos.
Combater a corrupção requer controlar os "clientes" e quem os
favorece. O caso Alberto Youssef é claro: ele serviu como broker (corretor) para
corrompidos nos dois polos, o público e o privado. Não basta punir um ou dois
integrantes da rede, os três devem receber sanção negativa. A tarefa requer
forças que vão além de polícia, Justiça, controladorias. Todos os que pagam
impostos deveriam agir como fiscais dos cofres públicos. É mais fácil,
entretanto, abrir o jornal, ligar a TV ou o computador e assumir o rito inútil
da indignação que leva... à hipnose e ao esquecimento.
Com o moderno Estado foi inoculado na massa dos
contribuintes o dogma de que existem funções explicitamente públicas,
desempenhadas por pessoas cujos poderes são limitados pela ordem jurídica.
Nessa forma de pensar, apadrinhamentos, favores recíprocos, apoios financeiros
para eleger parlamentares e governantes permanecem na penumbra, raramente
surgem na cena para "desacreditar a ordem legal". Mas todos sabem e
ninguém confessa: as ligações perigosas entre clientes e brokers definem a
política "realista" que gera as referidas trocas de dinheiro,
clientela, sufrágios eleitorais (Della Porta, D. e Mény, Démocratie et
Corruption en Europe, 1995).
No Antigo Regime o rei distribuía favores aos
nobres e clérigos para manter o trono. Na época já existiam os
"padrinhos", os clientes e os brokers, que abriam a via para os
cargos e dinheiros públicos. As revoluções modernas instauraram o regime
parlamentar. Nele desapareceriam os benefícios do monarca. Pobre ilusão, pois
os parlamentos reforçam "as técnicas do favor e, com elas, o
apadrinhamento e a clientela também se modernizaram.
Nem a politização, nem a
burocratização acabam com elas"(F. Monier, Patronage et Corruption Politiques
dans l'Europe Contemporaine, 2012). Os elos entre as formas privadas (e
públicas) para o enriquecimento de políticos e líderes econômicos foram
instaurados na própria gênese do Estado parlamentar.
As empresas dependiam do quadro normativo e fiscal
do Estado, concessões e contratos governamentais iniciam sua era dourada. E os
políticos passam a precisar dos empresários para seus assuntos eleitorais.
Ambos buscavam informações para suas estratégias específicas. Na Inglaterra uma
"private law" da House of Commons devia ser votada sempre que
iniciativas no campo ferroviário eram empreendidas.
O lobby tem papel
relevante. Desde 1830 os empresários do ramo se introduzem no Parlamento, em
1860 eles já eram 200. Ali uniam o papel de representantes de empresas e do
eleitorado. Surgem os agentes parlamentares e o lobby profissional. Tais
agentes operam com parlamentares, intermedeiam o trato entre firmas, governo,
deputados. Em 1867 aparecem as United Railway Companies e várias associações
visando ao lobby. Elas controlam o Board of Trade, aprovam ou impedem leis
entre 1870 e 1880. Na França ocorre algo similar. Desde 1870 os deputados
pertencentes à centro-direita ocupam 50 cargos administrativos em grande
empresas do país: finanças, ferrovias, mineração, indústria pesada, comércio,
seguros (J. I. Engels, in Patronage et Corruption, citado acima). Só no século
20 começa, na Europa e nos EUA, o controle efetivo dos tratos entre empresas
privadas e governos.
O que ocorre no Brasil, portanto, deve ser visto em
perspectiva temporal: aqui ainda se pratica a simbiose de empresários e
políticos com vista a levar recursos públicos para os cofres das firmas
privadas e para os partidos que assumem nas administrações e nos parlamentos
(municipais, regionais, nacional) a função de lobistas, truque que tem o nome
de "bancada X ou Y" do Congresso.
Financiamento público de campanhas
políticas sem regulamentar o lobby e impedir que líderes operem como brokers
nos três Poderes é mover o sorvedouro orçamentário de uma fonte para colocá-lo
em outra, menos visível, mais tirânica".
*Roberto Romano é professor da Unicamp
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