quinta-feira, 28 de julho de 2016

Dinossauros da política


As próximas eleições municipais darão aos brasileiros, em especial àqueles moradores das grandes cidades, a oportunidade única de se verem livres de figuras anacrônicas e decadentes. Exemplo mais que adequado está na pretensão da Erundinossaura de ser novamente prefeita de São Paulo, cargo que ela ocupou entre 1989 e 1992. Já naquela época o petismo se enroscava com trapaças envolvendo empreiteiras. 

Para os que esqueceram, vale relembrar o famoso caso Lubeca, fonte de corrupção que desaguou no financiamento da primeira campanha de Lula à presidência da república. São Paulo, aliás, é palco de disputa envolvendo as mais bizarras figuras da política brasileira. Dentre os pretendentes, que sempre se apresentaram ao povo paulista para ocupar a prefeitura nos últimos 25 anos, Jânio Quadros talvez tenha sido o mais normal de todos. Maluf, Pitta, Marta, Kassab, Haddad etc., sem esquecer Erundinossaura, configuram um verdadeiro batalhão de oportunistas. Observando com lupa, nem o próprio Serra se salvaria.

Nas outras capitais do Brasil o quadro é similar. No Rio de Janeiro, um espancador de mulher saltita alegremente em busca da vitória tendo como coadjuvante... u'a mulher, por incrível que pareça. A candidata a vice prefeita é deputada estadual com largo número de mandatos. Provavelmente endosse, carioca da gema que é, o chiste de Nelson Rodrigues sobre o desejo gozoso das mulheres em tomar uns tabefes; só as neuróticas reclamariam, claro, dizia o grande teatrólogo.   

Varrido do imaginário popular em função de suas infames trapaças, o petismo tenta se infiltrar em outras legendas, com especial devoção à Rede de Marina Silva, parasitando-as como um vírus maléfico. Sabem os candidatos petistas que uma denúncia no decorrer da campanha, apontando-os como os nomes apoiados por Lula e Dilma, terá o mesmo efeito de um beijo da morte. Em Minas Gerais, quando se queria queimar um candidato, bastava dizer que ele seria apoiado pelo notório Newtão Cardoso. O resultado era fatal, derrota tão certa quanto dois e dois são quatro. Conhecedor da alma humana, Millôr Fernandes dizia que riqueza, não, mas pobreza pega. Más companhias destroem a reputação de qualquer um. Outubro permitirá aferir a validade de tais considerações.

domingo, 24 de julho de 2016

Uma luta que não é deles: Os estudantes e a greve na USP (José de Souza Martins)


A notícia do fim da greve dos funcionários da USP veio com uma ressalva. A de que poderá ser retomada após o término das férias do calendário escolar. Para quem, como eu, cresceu dentro de uma fábrica e presenciou a greve dos 300 mil, em 1957, soa estranho que alguém pare para descansar da paralisação e a ela retornar após o merecido descanso.

As greves universitárias do período pós-ditatorial fluem no cenário adverso da peculiar impotência do paredismo de classe média. Não incidem sobre atividades produtivas. Nenhuma riqueza deixa de ser criada, ninguém lamentará que alunos deixem de estudar, funcionários deixem de funcionar, professores deixem de ensinar. As perdas são invisíveis. Quem se importará com os enormes danos que bibliotecas fechadas durante meses causam a estudantes de pós-graduação que tem teses para concluir e prazos rígidos para cumprir na Universidade e nas agências de fomento que lhes concedem bolsas de estudo?

Prazos que a greve não modificará. Em nossa cultura alienada, que de vários modos valoriza a ignorância, estudar não é necessariamente um bem. Para muitos é um castigo. Concretamente, ninguém perde com paralisações em setores que não produzem diretamente mais-valia, para irmos ao vocabulário que dá sentido às verdadeiras greves, as fabris. Ao contrário, são setores que vivem à custa de uma parcela da distribuição da mais-valia extorquida dos trabalhadores do setor produtivo.

As três universidades públicas paulistas são mantidas às custas de uma proporção não pequena da arrecadação do ICMS, recolhido sempre que alguém compra alguma mercadoria de alguém que não seja propriamente bandido e sonegador e que, portanto, emite nota fiscal para pagar o devido imposto. Os favelados da favela de São Remo, encravada em terreno da USP, e os favelados da favela do Jaguaré, a quatro quarteirões da Cidade Universitária, são comantenedores da Universidade de São Paulo.

Quando, a duras penas, compram um quilo de feijão ou de arroz ou um litro de leite para refeição da família e das crianças, pagam parte do ICMS que mantém a Universidade e assegura à pequena burguesia que a frequenta o ensino de primeiro mundo que seus filhos nunca terão. A USP é agora mesmo anunciada como a ocupante do 10º lugar, a Unicamp do 12º e a Unesp do 36º no ranking das Universidades do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Da Cidade Universitária não se vê a favela que se espalha pelo morro do Jaguaré, no entanto tão perto, e a miséria dos exíguos barracos de chão de terra batida, com a bacia da privada encravada num canto do cômodo único, com a mesa de caixote e a cama coletiva lado a lado. De lá, porém, se vê perfeitamente o próspero cenário dos muitos carros estacionados na USP, do vai e vem dos beneficiários do ensino público gratuito, democrático e laico, da alimentação subvencionada, do transporte gratuito, das bolsas de estudo e até das moradias gratuitas para muitos. Não se trata aqui de fazer a crítica fácil a quem se deixa manipular ou arrebanhar para causas que tem sua razão. Trata-se de tentar desvendar o nó que se esconde por trás das tensões que aos poucos vão consumindo a Universidade.

A facilidade com que alunos são mobilizados para causas que não são as suas, as dos funcionários ou as dos professores, apenas sugere as peculiaridades da crise de gerações entre nós nos dias atuais. Antes da ditadura, as novas gerações tinham uma causa e uma esperança, a da definição de um projeto de nação para todos, confirmação de uma história social em andamento.

Na ditadura, o projeto foi truncado e reprimido, quem o defendia foi perseguido, quem insistia foi preso, cassado, banido ou morto. A crise de gerações ganhou outro contorno, o da vítima, o da generosa disponibilidade até para dar a vida em nome do sonho de uma pátria livre e soberana, justa e democrática. Com o fim da ditadura, o sonho aparentemente acabou, perdeu conteúdos, cedeu lugar aos arranjos e conveniências de poder, à busca de privilégios corporativos. As novas gerações já não têm uma causa. Tudo já está pré-formatado para elas pelos outros, pelos que não tendo causa própria se apossam do direito dos jovens de terem sua própria causa, suas próprias perguntas e suas próprias respostas.

No afã autoritário do mando e da imposição, cada um a seu modo, professores e funcionários usurparam o que é próprio das novas gerações, que é recriar o mundo segundo seu modo de vê-lo e seu modo de querê-lo. Hoje, os estudantes dos movimentos grevistas nas universidades públicas, os dos cadeiraços, das ofensas e ameaças aos professores, querem o mundo e a sociedade ultrapassados de uma geração vencida, a geração fracassada que levou o Brasil ao abismo do mensalão e do petrolão, da Operação Lava Jato, da corrupção descarada, do poder pelo poder. Não lhes ensinaram a ver suas próprias contradições nem a reconhecer sua missão no mundo. Apenas a gritar sem falar, calar sem ouvir, espernear sem caminhar.


Servidores da USP decidiram encerrar uma greve que já durava mais de dois meses. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da USP, o corte de salário de parte dos grevistas foi o principal motivo para o fim do movimento.