"Quando surgiu,
achei grave e um pouco subestimado o veto de Dilma ao projeto de transparência
nos negócios do BNDES. Ela entrou em conflito com o Congresso. Dias depois, o
próprio Supremo autorizou o Tribunal de Contas a ter acesso aos empréstimos ao Friboi, empresa que financia generosamente as campanhas do PT.
Em qualquer país
onde o governo entre em choque com o Congresso e o Supremo o tema é visto como
uma crise institucional. Como se não bastasse, Dilma entrou numa terceira
contradição, desta vez consigo mesma: partiu dela a lei que libera o acesso aos
dados públicos.
O ministro Luiz Fux
(STF) sintetizou seu voto numa entrevista: num banco que move dinheiro público,
o segredo não é a arma do negócio.
O PT tem razão para
temer a transparência. Súbitos jatos de luz, como a denúncia do mensalão e,
agora, do petrolão, abalaram seus alicerces. No caso do BNDES, não se trata da
possibilidade de escândalos. É uma oportunidade para conhecer melhor a história
recente.
Empresas amigas
como a Friboi e a Odebrecht, governos amigos como os de Cuba e Venezuela, foram
contemplados. Em ambos, a transparência vai revelar o viés ideológico dessa
orientação. Um porto em Cuba, um metrô em Caracas são apenas duas escolhas
entre mil possibilidades de usar o dinheiro. Para discutir melhor é preciso
conhecer os detalhes. Na campanha Dilma mentiu sobre eles, ocultando o papel de
fiador do Brasil.
O que sabemos da
Friboi? Os dados indicam que destinou R$ 250 milhões a campanhas do PT. Teremos
direito de perguntar sobre os detalhes do empréstimo do BNDES e até desconfiar
de seus elos com campanhas eleitorais.
A análise da
política do governo deverá estender-se à sua fracassada tentativa de criar
empresas campeãs. Quem foram e quem são os parceiros, que tipo de transação?
Como dizia Cazuza, mostre sua cara, qual é o seu negócio, o nome do seu sócio.
No momento do veto
prevaleceu uma certa Dilma. Mas a outra Dilma, a que mandou a lei de acesso, é
que estava no rumo certo da História. Não só porque a transparência é um desejo
da sociedade, mas porque a tecnologia estreita o espaço do segredo.
Os debates nos EUA
concentram-se hoje numa restrição à vigilância de indivíduos, sem licença
judicial. Mas chegam a essa discussão graças a Edward Snowden, que revelou os
próprios segredos do governo.
Ironicamente, Dilma
foi espionada pelos EUA e decreta o sigilo nos dados de um banco que movimenta
recursos públicos. Sou solidário com ela no primeiro episódio. Evidente que
seria atropelada no segundo. Esta semana começou a ensaiar a retirada, via Ministério
do Comércio, que vai disponibilizar dados das transações internacionais e
algumas nacionais.
O PT deveria
meditar sobre o segredo. Ele foi detonado pela quebra do segredo entre quatro
paredes, no mensalão. Agora, no caso da Petrobrás, entraram em cena novos
mecanismos de investigação, melhor tratamento dos dados.
Nos primeiros meses
de governo, já tinha uma visão do PT. Nem todos a compartilhavam, pois o
partido venceu três eleições depois de 2002. Aos poucos, os momentos de
transparência sobre os escândalos foram criando uma percepção nacional sobre o
tipo de governo que se implantou no Brasil.
Não há dúvidas de
que os segredos do BNDES serão revelados. Sociedade, Congresso e Supremo
caminham numa mesma direção. E o próprio governo começa a abri-los.
É um elo para a
compreensão do papel do PT. Embora ainda não tenha os dados completos, já posso
afirmar que o BNDES financiou pobres e ricos. Mas ambos, os pobres de
socialismo, como os ricos aqui, do Brasil, são escolhidos entre os amigos do
governo. De um modo geral, o processo foi de financiar amigos ricos para que
construam para os amigos pobres.
Tanto a Friboi como
a Odebrecht fazem parte dessa constelação política econômica que dominou o
fluxo dos investimentos do BNDES. Isso teve repercussão nas campanhas
eleitorais. De um lado, o Bolsa Família assegurava a simpatia dos eleitores: de
outro, a bolsa dos ricos contribuía para as campanhas do tipo vivemos num
paraíso. Contribuía, porque hoje sabemos que outras fontes menos sutis, como o
assalto à Petrobrás, injetavam fortunas no esquema.
Falou-se muito no
petrolão como o maior escândalo da História, mobilizando pelo menos R$ 6
bilhões. Quando todos os segredos, inclusive os do fundo de pensão, forem
revelados, não importa a cifra astronômica que surgir daí: o grupo brasileiro
no poder é o mais voraz em atuação no planeta. Não posso imaginar salvação
depois da conquista desse título.
O PT e aliados
podem continuar negando, na esperança de que o tempo amenize tudo. É uma tática
de avestruz. Será que não se dão conta de que apenas um décimo da população os
aprova hoje? O que será do amanhã, quando quase todos saberão quase tudo sobre
o que fizeram com o País?
Nesta paisagem de
terra arrasada, a economia é apenas uma das variáveis. O processo político
degradou-se, os valores foram embrulhados por uma linguagem cínica, a
credibilidade desapareceu já há tempo. O Brasil pode até conviver com esse
governo, que tem mandato de quatro anos. Mas não creio que mude de opinião
sobre ele, alternando momentos de um desprezo silencioso com as manifestações
de hostilidade.
Um governo nasce
morto e a lei nos determina um velório de quatro anos. Muito longos, até os
velórios costumam ser animados. E algo que anima este velório é a revelação dos
últimos segredos, como o sigilo do BNDES e tantas outras linhas de suspeita que
foram indicadas nas investigações da Petrobrás. E daqui por diante nem o
futebol será uma distração completa. A cúpula da Fifa transitou de um hotel
cinco-estrelas para uma cela de prisão.
Imprevisíveis roteiros individuais
rondam os donos do poder. E essa história ainda será escrita com todas as
letras".