O Movimento Brasil Livre decidiu
entrar nesta quarta com um pedido de impeachment de Marco Aurélio Mello,
ministro do Supremo. Faz muito bem! Acho mesmo que é o caso. Como já escrevi
aqui, é evidente que o ministro foi além de seus limites numa série de
atitudes, todas elas incompatíveis com o cargo.
Vamos ver: o Inciso II do Artigo 52 da Constituição define que
cabe ao Senado “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os
membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes
de responsabilidade.” Assim, a
denúncia tem de ser feita ao Senado.
E quais são os crimes de responsabilidade de um ministro do Supremo? Eles estão definidos no Artigo 39 da Lei 1.079 — aquela do impeachment —, a saber:
Art. 39.
São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
2 – proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 – exercer atividade político-partidária;
4 – ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 – proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.
Mas Marco Aurélio fez uma ou mais
dessas coisas? Bem, a meu ver, duas, e o pedido de impeachment é plenamente
justificado. Mais: se Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, seguir
as regras defendidas pelo próprio Marco Aurélio, só lhe cabe aceitar de pronto
a denúncia e mandar instalar uma comissão.
Vamos lembrar: contrariando o Regimento Interno da Câmara e clara
jurisprudência do Supremo, Marco Aurélio concedeu uma liminar determinando que
a Presidência da Câmara instale uma comissão para avaliar uma denúncia com
vistas ao impeachment de Michel Temer, vice-presidente da República.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) havia negado tal denúncia, apresentada por
um advogado mineiro. Este entrou com um mandado de segurança no Supremo, de que
Marco Aurélio foi relator. O ministro concedeu uma liminar, atropelando
regimento e jurisprudência. Imaginem só: Cunha já negou 39 pedidos de
impeachment contra Dilma. E há mais oito pendentes. E se todos decidirem
recorrer?
Mas essa é só questão, vá lá, que evidencia o absurdo da coisa. O
que resta claro é que o ministro está ignorando, de maneira deliberada,
diplomas legais — incluo aí a jurisprudência — que o impedem de conceder a
liminar.
É inquestionável que os itens 4 e 5 do Artigo 39 da Lei 1.079
estão sendo feridos. Marco Aurélio está sendo “patentemente desidioso no
cumprimento dos deveres do cargo” — vale dizer: está investindo na confusão, no
confronto, na balbúrdia — e está procedendo “de modo incompatível com a honra,
a dignidade e o decoro de suas funções”.
E que se note: tal atitude — e a lei está aí justamente para
coibi-lo — vem à esteira de uma sequência de provocações que só têm contribuído
para tornar mais tenso um ambiente que já anda bastante carregado.
Marco Aurélio concedeu entrevistas em que, abertamente, contesta
aqueles que apontam que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade —
ele pode ter essa opinião, mas que a reserve para os autos — e acusa, de forma
genérica, sem identificar os alvos, a existência de autores que estariam
mancomunados numa espécie de complô contra a presidente. Foi além do ridículo.
E do aceitável também.
Pior: no caso em questão, Marco Aurélio milita contra aquela que
tem sido a sua linha mais constante de intervenções e votos no Supremo: a
não-interferência de um Poder em Outro. O homem decidiu, no entanto, ser um
“intervencionista” só nesses dias de impeachment.
Eu jamais me esquecerei que
ele esteve entre aqueles que, em nome da independência dos Poderes, afirmaram
que cabia a Lula decidir se o terrorista Cesare Battisti ficaria ou não no
Brasil, embora o próprio Supremo tenha considerado o refúgio ilegal. E o que
argumentou o doutor? Que a Corte não poderia cassar uma prerrogativa do
presidente da República, independentemente da legalidade ou não do refúgio
porque, afinal, decidir era sua (de Lula) competência indeclinável.
A liminar concedida determinando a instalação da comissão para
avaliar o impeachment de Temer, portanto, além do absurdo em si, caracteriza-se
por ser parte de uma ação que parece consciente e que conduz à desídia, não ao
entendimento. E isso tem como corolário a quebra do decoro.
Quando se diz que, nas
democracia, há a tripartição do poder em Poderes — Executivo, Legislativo e
Judiciário — e que estes devem ser independentes e harmônicos, quer-se dizer
que nenhum deles será soberano. Ou democracia não há. O fato de o Judiciário
ser, no mais das vezes, a última palavra não lhe confere a prerrogativa de ser
arbitrário nem a seus membros a licença especial para fazer política com a toga
nos ombros.
Por isso, o Poder Legislativo, por meio do Senado, pode, sim,
impichar um ministro do Supremo.
É claro que é difícil. Ninguém é ingênuo. É, sim, pouco provável.
É quase certo que Renan vá jogar no lixo o voto de Marco Aurélio sobre a Câmara
e recusar ele mesmo o pedido. Mas o MBL cumpre uma função importantíssima para
a política, para a cidadania e para a sociedade do esclarecimento: põe o dedo
na ferida.
A atuação deletéria do ministro Marco Aurélio, neste momento, merece o devido registro histórico e o claro repúdio.
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