quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O cinismo de Lula e a morte de Eduardo Campos (*)

A grande seita dos cínicos deveria ao menos poupar a família de Eduardo Campos do espetáculo do farisaísmo, registrou o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, depois de registrar a colisão frontal entre dois palavrórios de Lula sobre o mesmíssimo ex-aliado que ousou desgarrar-se do rebanho. No primeiro, despejado em março numa conversa com empresários, o ex-presidente enxergou em Eduardo Campos uma versão pernambucana do Fernando Collor de 1989.
(Em 1993, numa entrevista ao jornalista Milton Neves, o agora amigo de infância de Collor disse o que pensava do arrivista escorraçado do cargo pela pressão popular. Segue-se um trecho transcrito sem correções: “Ao invés de construir um governo, construir uma quadrilha como ele construiu, me dá pena, porque deve haver qualquer sintoma de debilidade no funcionamento do cérebro do Collor. Lamentavelmente a ganância, a vontade de roubar, a vontade de praticar corrupção, fez com que o Collor jogasse o sonho de milhões e milhões de brasileiros por terra”)
Nesta quarta-feira, numa nota encomendada a algum assessor capaz de escrever, o ex-presidente resolveu compensar o insulto que Campos ouviu em vida com uma promoção póstuma. Segundo Lula, o Brasil acabou de perdeu “um homem público de rara e extraordinária qualidade” na queda do Cessna que, caso se espatifasse cinco meses atrás, teria apenas dispensado o país de perder o sono com uma reencarnação da figura que descreveu no parágrafo anterior.
Ou coisa pior, vinham avisando os disparos dos bucaneiros alocados pelo PT no front da internet. A fuzilaria se intensificou em janeiro, com publicação na página do partido no Facebook de um artigo que retrata Eduardo Campos como “um playboy mimado”, “um tolo deslumbrado”, “um ambicioso que traiu Lula, Dilma e a memória do avô Miguel Arraes”. Fora o resto.
O serviço sujo se estendeu à área de comentários, infestada de militantes que amam concluir o desfile de adjetivos grosseiros com a ofensa anabolizada por letras maiúsculas e o buquê de pontos de exclamação: CANALHA!!!!! Surpreendidas pela morte do alvo, as milícias redescobriram em segundos que Eduardo Campos era um bom companheiro. Os generais do lulopetismo já veem no Judas de ontem um forte candidato à canonização. Dilma só não chorou na TV por falta de treino. E a tropa toda ensaia com muita aplicação a cara de viúva inconsolável recomendada a penetras de velório.
Em países afeitos ao convívio dos contrários, ninguém estranha a presença de líderes de distintos partidos na cerimônia do adeus a um velho adversário. Se a luta pelo poder obedece a regras civilizadas, se não são permitidos golpes abaixo da cintura, não há razão para constrangimentos. Esse rito ecumênico só acontece em países que erradicaram a selvageria política. Não é o caso de um Brasil governado por gente que acha que, numa eleição, só é proibido perder.
Lula divide o país em “nós”e “eles”.  “Nós” são os que se curvam sem mugidos aos desígnios do chefe. “Eles” são o resto, e como restos merecem ser tratados. Os celebrantes de missas negras revogaram o sentimento da honra e removeram a fronteira que separa a crítica dura do agravo que fere a alma. Alguém precisa ensinar-lhes que infâmias imperdoáveis não são anuladas por notas hipócritas.
Até lá, os cínicos profissionais continuarão aparecendo nos velórios dos afrontados com o mesmo desembaraço que exibem em festanças no clube dos cafajestes.

(*) Publicado na coluna de Augusto Nunes, em 14 de agosto de 2014. O título do artigo é meu.

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