"A descriminalização do porte de
drogas, que o STF debate hoje, costuma ser uma bandeira da esquerda. Mas os
seus melhores argumentos vêm do outro lado da política.
1 1) O argumento
conservador
Será que Edmund Burke, o pai do
conservadorismo inglês, seria contra a legalização das drogas?
Suspeito que não. Burke não era contra mudanças sociais, e sim contra
a tentativa de redesenhar toda a sociedade a partir de teorias de gabinete,
como fizeram os revolucionários franceses. Os políticos, dizia Burke, devem
legislar para homens reais, e não homens imaginários; para as pessoas como elas
são, e não como devem ser.
E as pessoas reais, de qualquer
cultura ou época, usam drogas legais ou ilegais.Talvez Darwin ajude a explicar o
motivo de humanos gostarem tanto de drogas. A seleção natural legou ao
homem padrões de pensamento nem sempre agradáveis. No Paleolítico, tinha mais chance
de sobreviver e gerar descendentes quem se preocupava, imaginava ameaças,
antecipava ataques, temia ser rejeitado pelo grupo e ficar sozinho. É como se
tivéssemos um pequeno rádio grudado na testa repetindo, sem parar: “o pedaço de
mamute que você caçou na semana passada está acabando”, “você deveria ter
investido em dólares”, “com essa pontaria, da próxima vez não te chamam pra
caçar mamute”, “o Laurentino vende muito mais livros que você”, “aquele
leopardo vai invadir a caverna e levar o seu filho embora”.
É por isso que toda sociedade humana
usa drogas. É um direito legítimo tentar se livrar desse pesadelo evolutivo
pelo menos em ocasiões especais, por pouco tempo. Barrar esse direito é
legislar para um homem irreal – e atentar contra tradições que os conservadores
tanto prezam.
2. O argumento individualista
Projetos coletivos, sejam eles a
cidade sem carros, a cruzada aos infiéis, a sociedade igualitária ou totalmente
sóbria, não devem se sobrepor à liberdade individual. O cidadão tem todo o
direito de recusar contribuir com um projeto da maioria – porque a
liberdade individual é em si própria o bem público mais valioso.
3. O argumento do
mercado eficiente
Não é certeza que a legalização
provoque um aumento do consumo e dos problemas relacionados a drogas. Mas
digamos que sim, que o número de viciados se multiplique depois de uma
legalização completa. Isso criaria uma enorme oportunidade de mercado. De um
lado, empreendedores concorreriam entre si para produzir substâncias que
causassem menos dependência. Do outro, médicos, bioquímicos e farmacêuticos
investiriam bilhões em pesquisa para ganhar dinheiro curando viciados. Já há
iniciativas assim – por exemplo, o médico brasileiro André Waismann, radicado
em Israel, descobriu um método de menos de uma semana para reduzir o vício em
opiáceos (heroína e morfina). Num mundo onde o consumo de drogas é livre,
haveria muito mais dinheiro para inovações como essa. Em pouco tempo,
resolveríamos a dependência como se ela fosse uma gastrite – comprando um
remédio de R$ 8,90 na farmácia. Deixem o mercado atuar que ele resolverá todos
os nossos problemas.
4. O argumento elitista
Proibir as drogas é nivelar por baixo
– restringir a liberdade dos bravos e fortes, que saberiam se controlar e ter
uma relação saudável com as substâncias alucinógenas, em nome dos impotentes
que se tornariam viciados. Uma sociedade pode ser caridosa com os fracos, mas
não deve se guiar por eles. Proibir as drogas em nome de potenciais viciados é
cultuar a mediocridade. O elitismo deixa a sociedade mais perigosa, é verdade –
e também muito mais interessante".
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