sábado, 22 de agosto de 2015

Juízes de Berlim (íntegra da decisão no caso GENTILI versus Instituto Lula)



 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA 3ª VARA CRIMINAL 

0068882-39.2015.8.26.0050 - pág. 1 CONCLUSÃO Em 17/08/2015, faço estes autos conclusos a(o) Exmo(a). Dr(a). Carlos Eduardo Lora Franco, Juiz(a) de Direito. 

Eu, __________________, Escrevente, digitei e subscrevi. SENTENÇA Proc.: 1452/15 Vistos, etc. 

Trata-se de interpelação judicial (pedido de explicações) feita pelo Instituto Luiz Inácio Lula da Silva contra DANILO GENTILI, relativa à publicação por este, no Tweeter, da seguinte frase: “Instituto Lula FORJA ataque para sair de vítima e o máximo q conseguem com isso é todo mundo dizendo 'q pena que o Lula não tava lá na hora'”. Contudo, em primeiro lugar, é necessário observar que toda e qualquer ação proposta perante o Judiciário está, sim, sujeita à verificação de seus requisitos legais, não havendo que se falar, como pretende o requerente, em impossibilidade absoluta de rejeição liminar de pedido de explicações. Simplesmente não há ação judicial que não esteja sujeita à verificação de seus requisitos processuais e das condições da ação. E é justamente fazendo tal análise que se constata a inviabilidade e inadequação técnica da presente ação, que pode, sim, e deve, ser liminarmente rejeitada. Todo “pedido de explicações” pressupõe a possibilidade, em tese, de uma eventual ação penal privada posterior. É, conforme descrito no próprio julgado do STF citado pelo interpelante, uma “providência cautelar destinada a aparelhar o ajuizamento de ação penal, nos casos de delitos contra a honra”. Decorre, portanto, da própria lógica, que a legitimidade para a propositura do pedido de explicações seja ligada diretamente à legitimidade para a propositura da ação penal posterior por crime contra a honra. O interpelante fala em potencial crime de difamação contra si por parte do interpelado. Contudo, é mais que evidente que, se crime houvesse na citada afirmação, seria o de calúnia, quando, ao falar em ataque forjado, obviamente estaria Este documento foi assinado digitalmente por CARLOS EDUARDO LORA FRANCO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0068882-39.2015.8.26.0050 e o código 1E0000007FFPS. fls. 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA 3ª VARA CRIMINAL 0068882-39.2015.8.26.0050 - pág. 2 dizendo ou ter sido uma explosão provocada pelos integrantes do próprio Instituto Lula, e não um ataque externo, ou sequer ter ocorrido tal explosão, sendo tudo uma encenação. Mas tais ações são crimes, especificamente os delitos de explosão (art. 251 do Código Penal), ou de falsa comunicação de crime (art. 340). Ou seja, se crime houvesse, por parte do interpelado, seria o de calúnia, e não o de difamação. Porém, como é pacífico no Supremo Tribunal Federal, a pessoa jurídica não pode ser vítima de crime de calúnia, justamente porque pessoa jurídica não pode praticar crimes comuns (salvo os ambientais). E não se pode admitir uma distorção da tipificação do suposto crime praticado, tratando-o como difamação, como fez o interpelante, como manobra para assim viabilizar o pedido de explicações como feito. Noutras palavras, a frase publicada, se crime contra a honra caracterizasse, ao imputar um fato específico, e criminoso, implicaria no crime de calúnia. Mas uma pessoa jurídica, como é o interpelante, não pode praticar crimes e, portanto, não pode ser vítima do crime de calúnia. Consequentemente, se o interpelante (pessoa jurídica) jamais poderia ser vítima do suposto crime de calúnia (e não difamação), e se o interpelante jamais poderia propor a ação penal privada (queixa-crime) contra o interpelado, é decorrência natural disso que não tenha também legitimidade para o pedido de explicações preparatório. E nesse sentido, os seguintes julgados, do Supremo Tribunal Federal, tratando exatamente da inviabilidade de prosseguimento da medida preparatória de interpelação judicial movida por pessoa jurídica relativa a crime de calúnia: 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO (ART. 144 DO CÓDIGO PENAL). SUPOSTO CRIME CONTRA A HONRA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM EXCLUSIVA DO SUJEITO PRETENSAMENTE OFENDIDO. ILEGITIMIDADE, POR CONSEQUÊNCIA, DE PESSOA JURÍDICA, QUE NÃO PODE ATUAR SEQUER COMO SUBSTITUTA PROCESSUAL DE SEUS ASSOCIADOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Diretório Nacional de Partido Político não ostenta legitimidade para formular o pedido de explicações a que se refere o art. 144 do Código Penal. 2. A imputação do cometimento de lavagem de dinheiro a pessoa jurídica é crime impossível, por isso que incabível a presente ação, dada a impropriedade de seu objeto. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (Pet 5143 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014) 

Este documento foi assinado digitalmente por CARLOS EDUARDO LORA FRANCO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0068882-39.2015.8.26.0050 e o código 1E0000007FFPS. fls. 2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA 3ª VARA CRIMINAL 0068882-39.2015.8.26.0050 - pág. 3 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. PROCESSUAL PENAL. INTERPELAÇÃO JUDICIAL. LEI DE IMPRENSA. CRIME DE INJÚRIA. SUJEITO PASSIVO: PESSOA JURÍDICA. 1. A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia, sujeitando-se apenas à imputação de difamação. Precedentes. 2. Cuidando-se de situação em que caracterizado, em tese, crime de injúria, é incabível a ação penal que tenha por objeto a apuração de ofensa à honra de pessoa jurídica de direito público. Conseqüência: inviabilidade de prosseguimento da medida preparatória de interpelação judicial. Agravo regimental a que se nega provimento. (Pet 2491 AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2002, DJ 14-06-2002 PP-00127 EMENT VOL-02073-01 PP-00197) 

Só isso já basta, e na verdade impõe, a rejeição liminar do presente pedido de explicações pela evidente ilegitimidade ativa. Nem se faz necessário, então, mencionar que é notório que o interpelado é um comediante, e assim mais que óbvio que aquela frase nada mais é do que uma evidente piada. Fosse tal afirmação na rede social de um jornalista respeitado e de credibilidade, tais como Willian Waack, ou Miriam Leitão, por exemplo, sem dúvida alguma se poderia cogitar de algum crime contra a honra. Mas no Tweeter de um comediante, como notoriamente é o requerido, ninguém, obviamente, iria levar tal informação a sério imaginando que ele tem informantes e está fazendo uma revelação importante. Nem se faz necessário, também, mencionar que, por outro lado, num país com histórico de tantos “aloprados” de direita e esquerda forjando fatos para prejudicar grupos opostos, no qual inclusive já houve um caso de ataque a bomba feito por um grupo para incriminar outro (caso Rio Centro), trazer à tona tal possibilidade e discussão é algo até saudável historicamente. Nem se faz necessário, mais, observar que o Brasil vive um momento de patrulhamento sem precedentes, e que o Poder Judiciário deve estar atento a não se transformar, especialmente através de ações penais privadas, em forma de pressão e intimidação de poderosos contra quem deles diverge ou os incomoda, como já mencionei na ação 0097559-50.2013.8.26.0050. Como noticiado recentemente, até uma propaganda de produtos de limpeza veio a ser denunciada e investigada pelo Conar apenas porque brincou dizendo que os homens são “devagar”. O Brasil nunca foi um país tão mal humorado, e não se pode deixar nisso o transformarem. Não é possível criminalizar-se, ou censurar-se, a piada. 1 http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/08/propaganda-da-bombril-vai-parar-noconar-por-suposta-ofensa-homens.html Este documento foi assinado digitalmente por CARLOS EDUARDO LORA FRANCO. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0068882-39.2015.8.26.0050 e o código 1E0000007FFPS. fls. 3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA 3ª VARA CRIMINAL 0068882-39.2015.8.26.0050 - pág. 4 

Liberdade de expressão só existe quando se permite ao outro falar exatamente aquilo de que se mais discorda. “Liberdade de expressão” para dizer apenas aquilo que lhe agrada, não é liberdade de expressão, é totalitarismo. A única retaliação que deve ser feita à piada (e que é a mais agressiva ao comediante), é justamente dizer que simplesmente não teve graça alguma. Mas todas estas considerações são absolutamente irrelevantes e desnecessárias aqui. A questão dos autos é estritamente técnica e jurídica: o interpelante não tem legitimidade ativa para a presente interpelação, razão pela qual é indevido seu processamento. Isto posto, REJEITO LIMINARMENTE a presente “Interpelação Criminal” (Pedido de Explicações), nos termos do art. 395, II, do Código de Processo Penal. Custas pelo requerente. 

Transitada em julgado, façam-se as anotações e comunicações necessárias, arquivando-se os autos após conferência pela Escrivã judicial. P.R.I.C. São Paulo, 18 de agosto de 2015. Juiz de Direito: Dr. Carlos Eduardo Lora Franco

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