segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Pessoas ou anjos (Mariana Moura)

Mariana Moura é candidata a vereadora em Belo Horizonte. A candidata parece se apoiar no famoso conto de Edgar Allan Poe (A carta roubada) para falar do quanto o óbvio é tão evidente que não consegue ser percebido. Seguem abaixo suas considerações:

"A maioria dos políticos brasileiros vive a proclamar – é quase um mantra uníssono, samba de uma nota só – que pretendem obter um mandado popular para poder “cuidar das pessoas”. O mesmo dizem, nas suas propagandas, os bancos, as administradoras de planos de saúde, as fábricas de refrigerantes, as oficinas mecânicas, os supermercados, as concessionárias de serviços públicos e os governantes de qualquer nível, seja local, regional ou nacional. Enfim, todo um vasto conjunto de empreendimentos e instituições proclamando, no período eleitoral principalmente, que busca, nada mais nada menos, que uma oportunidade de cuidar de cada um de nós.


A intenção proclamada, no entanto, costuma guardar enorme distância daquilo que efetivamente é realizado. Os exemplos de tal dissonância são inúmeros; podem ser apreciados em qualquer nível da administração pública: na saúde, na educação e na mobilidade urbana numa constante praticamente universal.

A prefeitura de Belo Horizonte, para focar apenas um único caso, construiu dezenas de estações ao longo das avenidas Antônio Carlos, Pedro I e Cristiano Machado, componentes do sistema  denominado MOVE, com faixas exclusivas de trânsito e pontos roteadores de transbordo. Deixemos de lado eventuais problemas de logística, naturais na sua ocorrência, para ficarmos atentos a um único ponto.

Os inventores do MOVE pensaram que o sistema adotado se destinava a anjos. Anjos, conforme é sabido, não estão submetidos às injunções fisiológicas dos seres humanos normais. Anjos, portanto, não possuem as triviais necessidades que obrigam os homens e mulheres (principalmente estas), de ir, eventualmente, ao banheiro. 

Gastaram uma fortuna para construir uma obra imensa e se esqueceram de “cuidar” dos usuários que buscam se locomover pela cidade. Não levaram em conta que grávidas, idosos, cadeirantes e outros fragilizados fazem xixi e cocô e os bebês precisam trocar as fraldas periodicamente. Mas Belo Horizonte, pelo que se sabe, possui pouquíssimos banheiros públicos decentes (com fraldário, então, nem pensar). 

A prefeitura perdeu, assim, uma ótima oportunidade de matar vários coelhos de uma só cajadada, quando investiu incontáveis milhões no MOVE, imaginando que os usuários seriam anjos que, aliás, quando se deslocam o fazem pelo ar, voando. Não precisam do MOVE nem do metrô. Tal desleixo arrogante atinge, em especial, as mulheres. Os homens, dada sua anatomia, podem com menores riscos lançar mão dos banheiros infectos dos botequins espalhados pela cidade.

A pergunta óbvia que não quer calar é: onde estão aqueles que alardeiam querer “cuidar” das pessoas? Os que se querem nossos cuidadores não têm uma resposta para questões tão singelas e úteis. O código de posturas urbanas de Belo Horizonte não poderia prever a obrigatoriedade de existência de banheiros públicos, em todas as estações de embarque e desembarque de passageiros?" 

    


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