quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Empreiteiros e Calígula

Uma verdadeira história do Brasil só seria aceitável quando focasse a atuação dos empreiteiros. Isso incluiria todos, dos mais modestos prestadores de serviços contratados pelo poder público, até os gigantes que hoje se expandiram pelo mundo. Reis, imperadores, sátrapas, prefeitos, governadores e presidentes de repúblicas nunca deixaram de levar uma beirada dos ganhos daqueles operadores. Para os empreiteiros isso nunca foi problema: era um custo fácil de ser contabilizado. O freguês é quem sempre mandava.

- Qual a percentagem, excelência? O senhor é quem manda: 2%, 5%, 10%, 20%? É só dizer.

Tal formulação parece ser a única que de fato interessa aos parceiros. Poderia ser dirigida ao beneficiário direto ou, quando algum pudor se insinua, a intermediários expressamente designados como tal. Poderia ser o Paulinho, a Gracinha, o Valério, o Valfredo, o Nestor, o Duque, o Youssef ou qualquer outro que transite entre uma e outra ponta dos negócios. Falar diretamente, no entanto, implica riscos desnecessários. O caso do Severino, achacador de dono de boteco, é o exemplo mais conspícuo. Ganha uma merreca e ainda é afrontado com denúncia cara a cara. Um intermediário dá segurança, evitando possíveis desdobramentos. Não que a intermediação seja garantia de procedimentos livres de risco. O exemplo do petrolão escancarou o problema. O esquema atual, pelo que se pode deduzir, ainda será objeto de aperfeiçoamento. Talvez, num estilo mafioso, com a liquidação periódica do agente a soldo ou do porta voz do dono. Alguns incidentes indicam que tal modelo não está descartado, posto apenas no rol das possibilidades teóricas. Não se pode esquecer dos acontecimentos vinculados ao episódio Celso Daniel.  

Para negociar com os empreiteiros, uma visita à História dos doze Césares, de Suetônio, seria instrutiva. Realizador compulsivo e delirante, Calígula criou um método infalível de tratar as empreitadas, aplicando sutilíssimo método de controle de qualidade. Se entendesse que as coisas não corriam bem, mandava degolar o empreiteiro. Com tal acicate, dispensava-se qualquer mecanismo gerencial garantidor da obediência a normas e contratos. Ministros e dirigentes, aliás, como acontecia em alguns reinos africanos, deveriam ser submetidos a saneador estrangulamento periódico. Nas Viagens de Gulliver, Swift faz menção ao prazo de validade dos ministros de certo reino. Após 15 anos de exercício eles eram executados. Criava-se, assim, uma saudável rotatividade no poder. E não se pense que tal destino desestimulasse as ambições. Caso o costume vigorasse entre nós, ninguém duvide: as filas seriam maiores que as do INSS. O critério de seleção dos ministros, segundo Swift, era igualmente inusitado. Fazia-se uma disputa entre os pretendentes. Quem melhor se saía caminhando na corda bamba era escolhido. Um critério, enfim, tão bom como qualquer outro, similar a provas de concurso público. Saber andar na corda bamba evitava recrutar gente ruim de serviço ou incapaz da mais elementar habilidade de sobrevivência num mundo cheio de disputas e de perfídias.

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