quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dilma, a estarrecida (Leonel Kaz)

"É estarrecedor que a presidente Dilma não fique estarrecida" (LK)


Leonel Kaz publicou em seu blog o que segue abaixo:


"Jack Lang foi ministro da Cultura da França e hoje preside o Instituto do Mundo Árabe, em Paris. Eu o conheci, na década de 80, quando ele veio ao Rio para o projeto da Casa França-Brasil, do qual participei com Darcy Ribeiro e Italo Campofiorito.
Lang criticou esta semana o fracasso da educação francesa por não saber lidar com o tema da intolerância religiosa: “É inútil acrescentar mais horas de instrução cívica, já há muita, e é muito mal feita. É preciso retornar ao essencial. Se eliminou o ensino das artes e da cultura na escola francesa, e este é um dos melhores remédios contra a violência.”

Lá se eliminam aulas; aqui se eliminam museus. É estarrecedor que a presidente não se sinta estarrecida com o fechamento do museu mais visitado por escolas, o Museu Nacional do Rio, por falta de verbas que dependem dela mesma.




1. Que a presidente fique estarrecida com a morte de um brasileiro, traficante de drogas, após esgotada uma década de defesa judicial, faz parte de um ato diplomático.

2. Mas é estarrecedor que a mesma presidente não fique estarrecida com os outros brasileiros que foram executados, em 2013, à razão de um a cada 10 minutos, na violência cotidiana aqui dentro de nosso território.

3. Vento que venta lá, venta cá. Imaginar que uma charge pode causar a destruição de vida é de um simplismo estarrecedor. Ora, o ataque ao Charlie Hebdo foi muito “bem bolado” visando contrapor, na superficialidade e asneiras do mundo eletrônico, o velho maniqueísmo de uns contra outros. O alvo foi “bem” escolhido para promover exatamente esta polêmica inútil e sem fim que dê razão à retrógrada assertiva: ”Ah, alguma coisa de errado eles fizeram para merecer morrer.”
4. Ninguém merece morrer. Nem a dúzia de seres então vivos do Charlie Hebdo nem os seis milhões de judeus que também foram executados pelos alemães do período hitlerista (que voltam a colocar suas manguinhas de fora…) sem publicar charge alguma.

5. O que há na cabeça de quem faz terrorismo, aqui ou acolá, é a ideia de que a vida do outro não vale nada. Isto serve para o Jihad Islâmico, isto serve para os traficantes que comandam batalhões de exércitos de malfeitores nas grandes cidades brasileiras. Lá atacaram uma revista; aqui, 200 deles atacaram o Depósito Público de motos roubadas, no Rio, e com metralhadoras em punho levaram 193 delas, periguetes na garupa.

6. O que tem havido é indiferença e incompetência. Daí, lá, a frase de Jack Lang sobre “os sucessivos governos que fizeram muito mal à escola nos últimos anos”; daí, aqui, o estarrecedor de que os alunos abandonem o ensino médio, frequentem a sala de aula por mero protocolo e passem de ano, literalmente, no grito, impondo medo aos professores. Repetimos um modelo anacrônico de ensino que faz a escola se transformar em cárcere, destituído da realidade da sociedade, salvo boas e raras exceções.

7. Não por acaso, mais de meio milhão de inscritos na prova do ENEM tiraram zero. O que não tem se ensinado – num esforço que una professores, pais e alunos –é a comezinha habilidade humana de elaborar um pensamento próprio. Nisto, as artes e a cultura fazem uma grande, uma imensa diferença. Elas permitem ao aluno não a decoreba, mas o mergulho em si mesmo, em sua própria liberdade de criação.

8. Não é o óbvio que está em jogo. É a perspectiva de acrescentar algo de novo ao mundo. E ao próprio mundo interior, tão vasto embora tão amordaçado de cada criança.

9. Mais do que mais armamentos, o que precisamos é de mais arte e cultura na escola, de tal sorte a dar à criança os instrumentos necessários – vá lá, as armas do saber – para que ela por si mesma possa se defender e avançar, não numa linha reta ou superficial, mas avançar para dentro de si mesma, procurando em si mesma horizontes amplos, para que exerça na plenitude o ATO DE PENSAR.


10. Pensar por sua própria cabeça. E não com a cabeça dos outros que moldam o terror. Sejam eles os marginalizados da periferia francesa, que são atraído pelo Jihad, sejam os marginalizados das periferias brasileiras, que são atraídos pelas lideranças da criminalidade".

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