quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O erro de Olavo de Carvalho sobre imigração (Leandro Narloch)



Olavo de Carvalho me chamou de idiota. Olavo de Carvalho me chamou de idiota! Fico feliz porque assim entro na lista de ilustres amigos liberais que já receberam as mesmas palavras de afeto do filósofo.

O motivo de Olavo ter me chamado de idiota é, de novo, o post  em que critico o deputado Bolsonaro por chamar haitianos, sírios e bolivianos de escória. Afirmo no artigo que os imigrantes europeus do século 19 eram tão escória quanto haitianos hoje – e, apesar disso, prosperaram.

Olavo afirma que estou raciocinando a partir de similitude de palavras (imigrante = escória). “Acontece”, diz ele, “que os japoneses, italianos e alemães nunca foram chamados como escória; ao contrário, eles foram chamados porque vinham elevar o nível técnico da nossa população.”

Não é verdade. Ou melhor: a afirmação de Olavo vale para os alemães, talvez também para os italianos do norte (e aqui eu admito o descuido ao afirmar que os alemães eram considerados escória).
Mas a afirmação não vale para todos os outros povos que imigraram ao Brasil:  japoneses, italianos do sul, poloneses, ucranianos, quase todos famintos, miseráveis e discriminados quando chegaram aqui.

Os japoneses, que para Olavo de Carvalho também foram chamados ao Brasil “para elevar o nível técnico da população”, são um belo exemplo. Oliveira Vianna dizia que “o japonês é como enxofre: insolúvel”. A revista O Malho publicava charges ridicularizando os imigrantes japoneses. “O governo de São Paulo é teimoso. Após o insucesso da primeira imigração japonesa, contratou 3.000 amarelos”, diz uma charge de 1908. “Teima pois em dotar o Brasil com uma raça diametralmente oposta à nossa”.

Nos debates da Assembleia Constituinte de 1946, a expressão “aborígenes nipões” é frequente. Por muito pouco os deputados não aprovaram a emenda 3.165, que proibia “a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência”. A emenda teve apoio de Luís Carlos Prestes e os demais deputados comunistas.

Vejam só que informação deliciosa: quando o assunto é proibir a entrada de povos considerados escória, Olavo de Carvalho e Luís Carlos Prestes se aproximam. Quem diria.

Os poloneses também eram chamados de escória nas suas primeiras décadas no Brasil. Sei disso por experiência da minha própria família. Cresci entre descendentes de Novacoskis e Bonaroskis, mas não havia na minha casa nada da cultura polonesa. 

O motivo é a vergonha. Minha mãe e suas primas “polacas” morriam de vergonha de serem polonesas. Para evitar serem confundidas com prostitutas, escondiam a origem a qualquer custo – e fingiam ser alemães. Poloneses, dizia-se na época em Curitiba, num duplo preconceito, eram “pretos do avesso”. Casavam com empregadas domésticas e morriam de cirrose. Hoje esses “pretos do avesso”, esses integrantes da escória estão mais ricos que a média da população.

Entre os italianos, havia preconceito mesmo entre os próprios imigrantes. Gente do norte da Itália não se misturava com os do sul. No interior de São Paulo, chamar alguém de “calabrês” era uma ofensa.

Quem passar os olhos pelo Guia Prático da Cidade de São Paulo, editado entre 1906 e 1934, verá diversos anúncios de italianos padeiros, alfaiates, donos de lojas de sapatos – mas nenhum de engenheiros, advogados ou médicos. Entre os operários italianos do Bom Retiro, em São Paulo, 70% eram analfabetos. Não me parece que a maior parte desses imigrantes tinha um “elevado nível técnico”, como sugere Olavo.

Se brasileiros do século 19 tivessem ouvido discursos contra a imigração como os de Bolsonaro e Olavo de Carvalho, não teríamos no Brasil toda a prosperidade criada por japoneses, poloneses, ucranianos e italianos meridionais.

Olavo de Carvalho toma uma parte do que eu digo (sobre os alemães) para escapar da refutação à minha afirmação central: em muitos países e épocas, imigrantes imundos, famintos e discriminados cresceram pela cultura de trabalho, e décadas depois já eram mais ricos que a média da população.

Há muitos exemplos assim – o livro Race and economics: how much can be blamed on discrimination, do economista Walter Williams, enumera casos em diversos países. Sikhs e judeus eram os dois povos mais pobres de Londres no século 19 (e, acredito que aqui o filósofo concordará comigo, também os mais discriminados). Hoje são as duas etnias mais ricas da cidade.

Em Nova York, empresas incluíam nos anúncios de empregos a sigla N.I.N.A (No Irish Need Apply, “irlandeses não precisam se candidatar”). Na Califórnia, houve leis proibindo o direito de japoneses e chineses possuírem terras. Hoje os americanos descendentes de irlandeses, japoneses ou chineses têm mais dinheiro que o americano comum.

Ao se voltar contra os imigrantes só porque o PT os apoia, Olavo joga fora uma grande bandeira: a cultura de trabalho. É dela que eu saio em defesa. Estou pouco me lixando para a cultura haitiana, boliviana ou síria. Defendo os imigrantes haitianos, bolivianos e sírios por sua cultura de trabalho. É ela que vence o preconceito dos nativos e torna escória elite.

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OS: Ambos polemistas deveriam atentar para o seguinte fato: a mão-de-obra verdadeiramente qualificada que veio para o Brasil foi aquela proveniente da África. Isso desde o início da colonização. Se não fossem os africanos (metalúrgicos, carpinteiros, purgadores),não haveria a produção de açúcar, para ficarmos num único exemplo. 

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