Imagine que você comprou uma casa perto da barragem de uma
mineradora. Para tornar a situação um pouco mais dramática, suponha que você
investiu todo seu patrimônio na compra e na reforma da casa ao lado da
barragem, onde vai morar com a família inteira.
Você procura se informar sobre a segurança da barragem e
descobre que ela pediu a renovação da licença ao governo estadual, que está
analisando o caso. Seria o bastante para dormir tranquilo?
Trezentas famílias de Mariana acharam que sim, e deu no que deu.
Para a Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais, as barragens da Samarco
estavam em situação regular. A licença venceu em 2013, mas a empresa havia
pedido a renovação dentro do prazo. A Secretaria do Meio Ambiente tinha até
julho de 2014 para dar um parecer, mas perdeu o prazo. E ficou por isso mesmo.
Pior ainda, a Secretaria havia sido avisada sobre o risco de
colapso das barragens pelo Instituto Prístino, instituição particular que
realizou o estudo a pedido do Ministério Público Estadual. Mas a
advertência se perdeu na burocracia. A Secretaria tem 130 mil processos (!) à
espera de licenciamento.
O órgão federal que poderia ajudar na fiscalização (o
Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia)
está ainda mais sucateado, como mostrou reportagem de VEJA.
Não é um problema do brasileiro, mas do serviço público em
geral. O Canadá teve no ano passado uma tragédia muito parecida: o rompimento
da barreira de dejetos da mineração de cobre e ouro em Mount Polley, na
Colúmbia Britânica. Como em Minas Gerais, a barragem tinha sido vistoriada e
licenciada pelo Estado.
A fiscalização irrestrita do governo leva as pessoas a acreditar
que, se uma mina (ou um empreendimento em geral) está aberto e funcionando, é
porque foi vistoriado pelo governo e portanto é seguro.
Essa ilusão da segurança garantida pelo Estado ocorre não só em
barragens. A boate Kiss , onde morreram 242 pessoas, estava numa situação
parecida à da barragem da Samarco. O alvará havia vencido, a boate tinha pedido
a renovação, o Corpo de Bombeiros de Santa Maria demorou a emitir o documento.
Dias depois da tragédia, dois bombeiros, tentando salvar a própria pele,
inseriram documentos com novas exigências na pasta do processo de licenciamento
da boate. Foram condenados por fraude.
Nos casos de leite adulterado com soda cáustica e água oxigenada
denunciados desde 2008, todos os laticínios tinham o direito de estampar nas
embalagens o selo de “inspecionado” pelo Ministério da Agricultura. Uma
testemunha disse ao Fantástico que os fiscais faziam vista grossa para a adulteração,
isso quando inspecionavam os laticínios.
Liberais
moderados defendem que o Estado deixe de atuar como fornecedor de serviços
e passe a atuar apenas como um agente fiscalizador. Há otimismo demais nessa
proposta. Como tantos casos provam, o governo não é capaz sequer de fiscalizar
barragens, boates ou laticínios.
Sabendo disso, o que fazer? É ingênuo contar com a benevolência
e o empenho dos burocratas. Se tudo der certo, levará algumas décadas até
termos instituições eficientes.
No caso das boates ou do leite, a solução é simples:
certificações privadas (como a ISO 9001 ou o selo de orgânicos emitido pela IBD
Certificações) concorrendo pela confiança dos consumidores. Em frente a cada
boate poderia haver um selo atestando a segurança do local; em cada embalagem
de leite, um atestado privado de sua qualidade.
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