Em meio ao redemoinho da crise que o país atravessa, é possível
vislumbrar algo que parece ser novo e poderia marcar as próximas décadas: o
Brasil está começando a deixar de caminhar para a esquerda e sente uma certa
fascinação por valores mais liberais e conservadores, de centro, menos
populistas ou nacionalistas e, paradoxalmente, mais modernos e globalizados.
Até antes da crise, ou das crises que se amontoam, ninguém no
mundo político queria ser de direita aqui. Tanto é assim que entre o mar de
partidos oficiais nenhum leva em seu nome as palavras direita ou conservador.
Até o mais conservador deles, e um dos mais envolvidos no escândalo na
Petrobras, o PP, se chama Partido Progressista.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que já foi considerado o maior partido de esquerda da América Latina, marcava o passo como príncipe dos partidos, abraçado pelos movimentos sociais, os sindicatos, os operários e boa parte dos artistas e intelectuais.
As ruas também eram do PT. E isso apesar de seu mentor e guia, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se esforçar em dizer que ele não era
“nem de direita nem de esquerda”, mas apenas um “sindicalista”. Em seus oito
anos de Governo foi também aplaudido, mimado e defendido pelos bancos, as
empresas e as oligarquias que foram amplamente recompensados por seu apoio. Ele
mesmo repetia aos banqueiros que nunca tinham ganhado tanto como com ele. E era
verdade.
O Brasil é visto fora de suas fronteiras com uma política de
centro-esquerda, uma vez que o PT se aliou, para poder governar, com os
partidos conservadores.
Essa roupagem de esquerda, com a qual era vista a política dos
governos brasileiros, fazia parecer normal a preferência por países do
socialismo bolivariano do continente. A direita neoliberal não tinha carta de
cidadania no Brasil.
As coisas, dizem não poucos analistas, estão mudando, porque
mudaram a rua e a sociedade, que começou a abandonar o PT ao mesmo tempo em que
se perdeu o complexo, principalmente na classe média pensante, de defender
valores como o liberalismo, que leva junto o desejo pela eficiência e o afã de
criar sua própria empresa. E isso não só entre os filhos das classes mais
abastadas, mas também com os da nova classe média oriunda da pobreza, que já
não sonham como ontem com um trabalho fixo sob as ordens de um patrão para o
resto da vida.
É essa mesma classe que, sem distinções ideológicas excessivas,
defende hoje valores que são bem mais de políticas de centro, como a livre
iniciativa, a eficiência dos serviços públicos, uma maior segurança pública,
menos corrupção e um Estado menos gastador e onipresente.
Não basta a eles que o Estado ofereça esses serviços para todos,
querem que sejam dignos de primeiro mundo, porque o Brasil tem um potencial de
riqueza que possibilitaria isso.
Vejo até mais críticas na classe C com relação a certas bondades
do Estado, como bolsas e ajudas sociais, do que em classes mais altas. Criticam
que muitas dessas ajudas podem acabar acomodando as pessoas e as tornar
preguiçosas para trabalhar e melhorar sua capacitação profissional.
Poucos brasileiros duvidam que o país está às vésperas de uma
mudança que pode ser de época. Ninguém sabe ainda profetizar no que consistirá
essa mudança e em que direção irá, nem qual partido e líder político serão
capazes de expressar e reunir o que está sendo gerado de novo nessa sociedade.
O que parece cada dia mais provável é que a seta não aponta mais
preferencialmente para os caminhos da esquerda, que foram necessários e
criadores da prosperidade social, mas hoje estão perdendo o interesse e a
credibilidade.
É verdade que os termos esquerda e direita hoje já não possuem
mais a força que possuíam no passado, mas o que a sociedade brasileira parece
estar buscando se assemelha mais com as políticas dos países hoje mais
igualitários, com democracias mais consolidadas, com menores taxas de corrupção
política, com moedas fortes e com liberdade de empreender economicamente.
Tudo isso, junto com uma política de bem-estar social.
O que
tenho escutado de muitos trabalhadores neste país é o desejo e a esperança de
que, assim como no trabalho profissional, um brasileiro possa gozar do nível de
vida e dos serviços públicos que hoje desfrutam os cidadãos de países considerados
conservadores, onde as diferenças sociais não são tão evidentes e tão brutais
como nos países embalados pelas sirenes de um populismo que, com muito Estado e
pouca cidadania, acaba reproduzindo pobreza, como hoje estão sofrendo em parte
nossos vizinhos argentinos.
O Brasil quer mais e melhor. E quer isso com políticas mais
próximas do centro, com maior liberdade de ação, sem tutores que desejem guiar
seus passos e dizer o que é melhor para as pessoas. Os brasileiros querem que
sua palavra, seus projetos e suas ideias tenham também valor e peso nas
decisões que forjam o destino do país.
Essa é a verdadeira subversão que hoje começa a viver essa
sociedade viva e rica, que está aprendendo a dizer “não”. E, como defendia o
escritor e ganhador do Nobel de Literatura José Saramago, às vezes o “não” da
rebelião é muito mais construtivo do que o “sim, senhor” da resignação ou da
apatia.
A rebelião não tem cor política.
Saramago era de esquerda, comunista.
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