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Com experiência de professor aposentado da USP, ex-czar da economia na
ditadura, ex-constituinte, ex-parlamentar e ex-espírito santo de orelha de dois
presidentes nos (até agora) 12 anos e 9 meses de lulopetismo no governo
federal, Delfim Netto garantiu, em entrevista a Eliane Cantanhêde, no Estado:
“A Dilma é simplesmente uma trapalhona”. Didi Mocó e Dedé no poder. E honesta!
Mas definiu sua proposta de Orçamento com déficit primário (mais gastos a pagar
do que rendas a arrecadar) como uma “barbeiragem”. E o pacote fiscal para
debelar a crise, uma “fraude”.
O papa de uma patota de economistas tidos e havidos como da maior
competência (até hoje atuantes), dono de uma inteligência comparável à de Lula
da Silva e uma cultura invejável, que o outro não tem, pelo visto perdeu a
paciência com madama gerenta incompetenta. Mas o brilho de seu raciocínio não
impede que se enxergue a impropriedade dessa mistureba, que seu velho
inspirador em lógica, Aristóteles, não aceitaria. Déficit em Orçamento é
ilícito, pois viola a Lei de Responsabilidade Fiscal. E fraude não é sinônimo
de honestidade nem no mais permissivo dos dicionários.
No fragor da batalha pelo controle da Constituição de 1988, Delfim, que
então já se dizia “socialista fabiano”, fez uma profecia que hoje se mostra
sábia, mas, ao contrário do que se podia deduzir à época, menos devastadora do
que de fato viria a ser. Para ele, convinha dar o poder ao Partido dos
Trabalhadores, de seu colega parlamentar Luiz Inácio Lula da Silva, de vez que
só assim o País se livraria do mal que o mito de santidade da esquerda fazia.
Em 2014, às vésperas de uma eleição que ainda parecia indefinida entre a
presidente petista e o líder tucano da oposição, Aécio Neves, Delfim vaticinou
a interlocutores mais próximos que ela ganharia a eleição. Mas, em seu segundo
mandato, os resultados da “nova política econômica” (conforme a inspiração
leninista) produziriam tal crise que o governo chegaria ao fim antes dos quatro
anos previstos.
Por incrível que pareça, as duas profecias são coerentes entre si.
Embora o profeta tenha aconselhado o padim
Lula Romão Batista de Caetés em seus dois mandatos e também tenha sido ouvido
pela afilhada e sucessora deste, não há como cobrar de Delfim o fato de tal
purgatório ter durado tanto. O bom senso do Macunaíma do ABC, com a economia
tutelada por Antônio Palocci e Henrique Meirelles, guiou a nau capitânia por
mares sem procelas. E, assim, a navegação continuou beneficiada pelo vento de
popa, usando a metáfora náutica que deu título às memórias de outro célebre
economista da época do milagre econômico da ditadura militar e ex-colega dos
dois no Legislativo, Roberto Campos.
O vento de proa que impulsionou a nau sem rumo para a tempestade a pegou
no pior momento: quando ao leme estava uma capitã sem habilidades para comandar
uma canoa de pescador e completamente inabilitada para dar rumo ao bote
salva-vidas que é a situação de momento. Na crise produzida pelo delírio
consumista de seu padroeiro ou pelas próprias convicções intervencionistas, a
comandanta faz sua “travessia” sem Moisés nem a bonança da conjuntura
internacional favorável. Se ela içar as bujarronas, o temporal destroçará o
barco. Se as recolher, o afundará por inércia.
Faltam-lhe perícia, humildade e sensatez. Resta-lhe apelar para a boia à
mão: a velha democracia burguesa, que ela sempre odiou, tal como Robespierre e
Marat. “Ei, vocês aí da oposição: não venham de borzeguins ao leito. Fui eleita
pela maioria dos cidadãos e vocês têm de aceitar a vontade das urnas” – berra,
teimosamente, essa meia-verdade. Mas é cada vez menos ouvida, pois a tempestade
rugindo e os vagalhões minando a estrutura do barquinho sem rumo tornam sua
gritaria, normalmente incompreensível, uma algaravia incapaz de iludir
náufragos ameaçados pelo afogamento.
A tarefa dela não é fácil. Enquanto se agarra ao bote repetindo “eu sou
a democracia”, bagagens e outros passageiros são jogados ao mar sem dó. Há 15
dias, neste pedaço de página, referi-me a 1 milhão de trabalhadores perdendo o
emprego neste primeiro ano de segundo desgoverno. Agora, já se fala em 1,6
milhão – 60% mais!
E como instrumento de navegação ela só dispõe da ilusão de que é A
democracia. Pois, favorita dos mortadelas, ela teve mais votos do que o
candidato dos coxinhas há dez meses e meio. Mas sua democracia não é a de
Danton e Jefferson. Em sua cabeça, entorpecida por Marx, Lenin, Stalin, Lula e
devotos do pixuleco, ela a encara como um pôquer disputado a cada quatro anos,
com cacife assegurado pelo período intermediário para criar ministérios e
outros penduricalhos para a barganha com aliados.
Ela se diz heroína da liberdade, ainda que a ditadura que ela combatia e
a que ela almejava fossem siamesas, embora antípodas. A mentira bastaria para
desqualificar sua versão do regime, que não é o menos ruim de todos (apud
Churchill), mas o melhor para a cupinchada. E há quem reze “diuturna e
noturnamente” para ela pedir perdão, pagar penitência dividindo o doce e
prosseguir!
Até hoje, lendo no tele-prompter
patacoadas de seu marqueteiro Patinhas, Dilma garante que arriscou a vida pela
liberdade, mas não se sente na obrigação de mostrar nenhum dos muitos
documentos de grupos armados contra os milicos que tenha citado uma vez só a
palavra “democracia”. Isso já faz tempo e ela está ocupada demais para
rememorar inconveniências. Mas quando é que ela vai enfrentar os panelaços num
pronunciamento público em cadeia de rádio e televisão para execrar o que
Genoino, Dirceu e Delúbio fizeram do PT? E afastar Edinho, Oliva e outros
acusados dessa confusão criminosa entre coisa pública e república (hospedaria)
de quem aderiu ao capitalismo do propinoduto? Podia até aproveitar e exigir
atitude similar dos adversários tucanos com o Aloysio lá deles, ora!
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