O economista mais importante do tempo dos generais (e atual amigo de Lula e Dilma, aos quais assessora, dizem que de graça), faz um elogio indireto a Didi Mocó, Dedé, Mussum e Zacarias. A esta troupe famosa acrescentaria a mais nova participante: dona Dilma, a brizolenta trapalhona. A ser verdadeira a adesão da madame ao ideário gauchesco, esperam alguns que o espírito de Getúlio baixe nela o mais rápido possível, com todas as suas implicações fáticas.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Delfim Netto.
Como o sr. vê a situação hoje?
Com muita preocupação. As pessoas sabem que a presidente é uma mulher
com espírito muito forte, com vontades muito duras, e ela nunca explicou porque
ela deu aquela conversão na estrada de Damasco. Ela deveria ter ido à
televisão, já no primeiro momento, e dizer: “Errei. Achei que o modelo que nós
tínhamos ia dar certo e não deu”. Mas, não. Ela mudou sem avisar e sem explicar
nada para ninguém. Como confiar?
Como define a conversão na estrada de Damasco?
Ela mudou um programa econômico extremamente defeituoso, que foi usado
para se reeleger. Em 2011, a Dilma fez um ajuste importante, aprovou a
previdência do funcionalismo público, o PIB cresceu praticamente no nível do
Lula. Mas o vento que era de cauda e que ajudou muito o Lula tinha mudado e
virado um vento de frente.
Os ventos internacionais?
Sim. Então, ela foi confrontada em 2012 com essa mudança e com a
expectativa de que a inflação ia aumentar e o crescimento ia diminuir e ela
alterou tudo. Passou para uma política voluntarista, intervencionista, foi pondo
a mão numa coisa, noutra, noutra, noutra... Aquilo tudo foi minando a confiança
do mundo empresarial e, de 2012 a 2014, o crescimento vai diminuindo,
murchando.
E o uso na reeleição?
A tragédia, na verdade, foi 2014, porque ela usou um axioma da política,
que diz que ‘o primeiro dever do poder é continuar poder’. No momento em que
ela assumiu isso, ela passou a insistir nos seus equívocos. Aliás, contra o seu
ministro da Fazenda, o Guido Mantega, que tinha preparado a mudança, tanto que
as primeiras medidas anunciadas pelo Joaquim Levy já estavam prontas, tinham
sido feitas pelo Guido.
Então, o sr. discorda da versão corrente de que a
culpa foi do Mantega?
O Guido não tem culpa nenhuma. E, para falar a verdade, nenhum ministro
da Fazenda da Dilma tem culpa nenhuma, porque o ministro da Fazenda é a Dilma,
é ela. E o custo da eleição é o grande desequilíbrio de 2014.
Qual o papel do Levy?
Como a credibilidade do governo é muito baixa, o ajuste que ele fez
encontrou muitas dificuldades, não teve sucesso porque não foi possível dizer
que o ajuste era simplesmente uma ponte.
A presidente não vive dizendo que é só uma
travessia?
Travessia sem ponte?
E o pacote fiscal?
O primeiro equívoco mortal foi encaminhar para o Congresso uma proposta
de Orçamento com déficit. Foi a maior barbeiragem política e econômica da
história recente do Brasil. A interpretação do mercado foi a seguinte: o
governo jogou a toalha, abriu mão de sua responsabilidade, é impotente, então,
seja o que Deus quiser, o Congresso que se vire aí.
A briga interna do governo não é um complicador?
A briga interna ocorre em qualquer governo, mas o presidente tem de ter
uma coisa muito clara: ele opta por um e manda o outro embora. Um governo não
pode ter dentro de si essas contradições, senão vira um Frankenstein.
Quem tem de sair, o Levy, o Nelson Barbosa ou o
Aloizio Mercadante?
Quem tem de sair é problema da Dilma, mas quem assessorou isso do
Orçamento com déficit levou o governo a uma decisão extremamente perigosa e
desmoralizadora e isso produziu um efeito devastador.
De tudo o que o sr. diz, conclui-se que o ponto
central da crise é que Dilma é uma presidente fraca?
Ela tem uma visão do Brasil que não coincide com o Brasil.
Por que o sr. defendia o aumento da Cide, não a
recriação da CPMF?
O aumento da Cide seria infinitamente melhor. CPMF é um imposto
cumulativo, regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento
e quem paga é o pobre mesmo. Ele está sendo usado porque o programa do governo
é uma fraude, um truque, uma decepção – não tem corte nenhum, só substituição
de uma despesa por outra e o que parece corte é verba cortada do outro. Dizem
que vão usar a verba do sistema S. Ora, meu Deus do céu! R$ 1 do sistema S
produz infinitamente mais do que R$ 1 na mão do governo. Alguém duvida de que o
governo é ineficiente?
A presidente Dilma...
Acho que não, nem ela. Ela sabe disso, só não tira proveito.
E a Cide?
A CPMF é coisa do século 19, a Cide é do século 21, porque você corta
consumo de combustível fóssil, reduz emissão de CO2 e vai salvar um setor que
você destruiu, o sucroalcooleiro. Tem 80 empresas quebrando por conta dos erros
da política econômica. Na hora que você fizer isso, toda essa indústria
renasce.
Quais as chances de o pacote passar?
Eles vão ter de negociar com a CUT e com o PT, que é o verdadeiro
sindicato do funcionalismo público. Então, é quase inconcebível e vai ter uma
greve geral que vai reduzir ainda mais a receita. É uma cobra que mordeu o
rabo. O aumento de imposto é 55% do programa; o corte, se você acreditar que há
corte, é de 19%; e a substituição interna representa 26%. Ou seja, para cada
real que o governo finge que vai economizar com salários, ele quer receber R$ 3
com as transferências e o aumento de imposto. No fundo, o esforço é nulo.
O sr. diz que os grandes problemas começam em 2014,
mas muitos analistas respeitados dizem que começam antes. Qual a
responsabilidade do governo Lula?
Até 2011, o vento de cauda era de tal ordem, a entrada da China foi de
tal ordem, que dava a sensação de que você tinha entrado no paraíso e o Lula
aproveitou bem para um crescimento mais inclusivo, mais equânime. Depois, eu
estou convencido de que foi a intervenção extravagante, extraordinária,
exagerada no sistema econômico que gerou tudo isso. Mexeu na eletricidade,
mexeu nos portos, foi criando um estado de confusão que matou o “espírito
animal” dos empresários, com uma queda dramática do nível de investimento e do
nível de crescimento.
A diferença é que o Lula nunca fez questão de ser de
esquerda, mas a Dilma, que vem do velho PDT brizolista, nacionalista e
estatizante, tem esse compromisso?
O Lula é um pragmático, uma inteligência extraordinária. Já a Dilma tem,
sim, o velho problema do engenheiro, o engenheiro Brizola, que por onde passou
destruiu tudo, destruiu de tal jeito o Rio Grande do Sul que ninguém mais
salva. Ela tem uma ideia intervencionista, realmente não acredita no sistema de
preços. Veja essa escolha dela no pré-sal, é inteiramente arbitrária. Foi dar
para a Petrobrás uma tarefa muito acima do que ela é capaz. Nada mais infantil
no Brasil do que a sua esquerda, facilmente manobrável.
Quem é a esquerda no Brasil hoje?
No Brasil de hoje, esquerda e direita são sinais de trânsito. O fato é
que a Dilma é uma intervencionista e foi a crença de que ela não mudou, e de
que a escolha do Joaquim foi simplesmente um expediente para superar uma
dificuldade, que não deu credibilidade ao plano de ajuste.
Além de perder credibilidade junto aos empresários,
a presidente também está perdendo apoios na base social do PT.
Como ela não explicou que errou e por que iria mudar a política
econômica, o 1/3 que votou nela se sentiu traído de verdade e o 1/3 que votou
contra ela disse: ‘Viu? Eu não disse?”. Sobraram para ela só 8%.
Em quem o sr. votou?
Na Dilma. Mas acho que o Aécio era perfeitamente “servível”. Teria as
mesmas dificuldades que a Dilma enfrenta, porque consertar esse negócio que
está aí não é uma coisa simples para ninguém, mas ele entraria com uma outra
concepção de mundo, faria um ajuste com muito menos custo e a recuperação do
crescimento teria sido muito mais rápida.
Se a presidente está com 8% de popularidade, pior
até que o Collor, o impeachment seria uma solução?
Se houver algum desvio de conduta materialmente provado, o impeachment é
um recurso natural dentro da Constituição. Então, não há nenhuma quebra de
institucionalidade, não tem nenhum problema. Agora, o Brasil não é nenhuma
pastelaria e não é nenhuma passeata cívica de verde e amarelo nem panelaço que
decide se vai ter ou não impeachment. Não há recall de presidentes. A sociedade
votou, que pague os seus erros para aprender e volte em 2018. Está em segunda
época, volte em 2018 para fazer nova prova.
Então, o sr. não votaria na Dilma novamente em
2018, se ela pudesse ser candidata?
Não, primeiro porque ela não pode ser candidata. É preciso dizer que eu
acho a Dilma absolutamente honesta, com absoluta honestidade de propósito, e
que ela é simplesmente uma trapalhona.
Numa eventualidade, o vice Temer seria adequado
para a Presidência como foi o Itamar Franco?
Acho que sim. Nós somos muito amigos. O Temer tem qualidades, é uma
pessoa extraordinária, um gentleman e um sujeito ponderado, tem tudo, mas eu
refugo essa hipótese enquanto não houver provas, e vou te dizer: ele também.
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