2015 foi o ano em
que o Brasil Velho teve finalmente um duelo para valer com o século XXI. Todos
estão cansados de saber que país é este. É o Brasil que desde a sua
independência, 200 anos atrás, está aí para proteger, servir e enriquecer a
minoria dos que dão ordens nos governos, os seus amigos e os que pagam para
estar de bem com os que mandam. É o Brasil da corrupção como método de
governo e objetivo da vida pública ─ um condomínio gerido por gangues políticas
cujo único propósito é controlar a máquina do Estado. Não há ideias nesse
Brasil; só há interesses. O primeiro mandamento do político “competente”, ou
“do ramo”, é aplicar as melhores técnicas para enganar um eleitorado em grande
parte ignorante, pobre, indiferente a seus direitos e desinteressado de
questões públicas. Aqui, os donos das decisões tratam como um absurdo o
princípio pelo qual a lei deve ser igual para todos. Estão convencidos de que o
fato de ganhar eleições, em geral através da prática de estelionato aberto em
suas campanhas milionárias, lhes dá o direito de fazer o que bem entendem com o
aparelho da administração pública. O Brasil Velho, em suma, é o Brasil em
guerra permanente com o progresso, a mudança e o bem-estar da maioria.
Em 2015, o Brasil
Velho perdeu. Não vai desaparecer assim de uma hora para outra, é claro, porque
nada que resiste há dois séculos desaparece de uma hora para outra. Mas as
coisas não serão mais como têm sido até hoje na vida pública brasileira; o
futuro do Brasil Velho acabou. Ele é representado hoje, de corpo, alma e mente,
pelo ex-presidente Lula, pelo Partido dos Trabalhadores e por essa trágica
Dilma Rousseff com seu governo em decomposição ─ junto com os amigos, os
magnatas que se tornaram companheiros e as quadrilhas que vivem de assaltar o
Erário. Lula e todos os intendentes que estão em seu redor não perceberam o
temporal que vinha se formando havia anos e desabou sobre eles em 2015 ─
escândalo após escândalo, fracasso após fracasso, flagrante após flagrante de
mentira, fraude e incompetência para governar. Acharam que seu problema estava
nos outros: na “mídia” que publica notícias de corrupção, nos “pessimistas” que
registram o naufrágio econômico do país, na “oposição”, na Justiça que
investiga a roubalheira, nos que simplesmente discordam. Com sua casa caindo,
jamais pensaram que pudessem ter errado em alguma coisa.
Imaginaram-se
ameaçados por um “golpe”. Convenceram a si próprios de que as maiores
manifestações de rua que o Brasil já viveu eram um capricho das “elites”, coisa
de “terraço gourmet”, e outras assombrosas bobagens do mesmo tipo. Comandaram,
diretamente ou através da sua usina de propaganda nos meios de comunicação, uma
campanha a favor da corrupção como jamais se viu por aqui e provavelmente em
nenhum outro lugar do planeta. Trataram como vítimas empreiteiros de obras que
são réus confessos no pagamento de propinas, e festejaram como heróis
(“guerreiros do povo brasileiro”) criminosos condenados por corrupção.
Continuaram acreditando, com fé religiosa, no Brasil dos privilégios, onde a polícia
não prende e a Justiça não condena. Meteram-se numa operação desesperada para
salvar o couro de um presidente da Câmara dos Deputados que 80% dos brasileiros
querem ver deposto e cassado; tudo o que conseguiram, no fim das contas, foi o
exato oposto do que pretendiam ─ um processo de impeachment no lombo da
presidente da República. Mais que um crime, o Brasil Velho cometeu um erro. Não
entendeu até agora qual foi o confronto real de 2015: o que pôs uma porção
decisiva da sociedade brasileira contra as forças aqui descritas ─ o coletivo
que se chama “oligarquia” e que foi absorvido, habitado e comandado por Lula e
pelo PT em seus treze anos no governo. Esse lado não podia continuar ganhando
sempre.
É o que mostram os
fatos. Muitos dos seus chefes, que até outro dia estavam aí dando ordens,
nomeando gente para empregos públicos e armando negócios de bilhões com
dinheiro público, vivem hoje apavorados com a possibilidade real de ir para a
cadeia a bordo de um camburão da Polícia Federal. Há um senador preso, sem data
para sair ─ e ele é simplesmente o líder do governo no Senado. Estão no xadrez
ou acabaram de sair o presidente da empreiteira de obras públicas número 1 do
Brasil, o presidente da empreiteira número 2 e um banqueiro descrito até outro
dia como estrela em ascensão irresistível na alta finança brasileira ─
especialmente aquela que vive em concubinato com o governo. Estão na mesma
situação ex-deputados, ex-diretores da Petrobras, um ex-ministro de Estado, um Vice-Almirante da Armada, o último tesoureiro do PT, executivos “top de linha”
e por aí vamos. Não existe nessa turma toda um único preto ou pobre ─ é só
elite, e dentro dela há uma alarmante coleção de cidadãos que faz anos convivem
em intimidade com o ex-presidente Lula, sua família e sua vizinhança. Só na
Operação Lava Jato, a maior ofensiva contra a corrupção jamais feita neste
país, mais de 100 suspeitos já foram presos, mais de trinta foram condenados,
alguns várias vezes, num total de penas que somam quase 700 anos de prisão, e
mais de vinte continuam na cadeia. Outros esperam suas sentenças usando o
equipamento-símbolo destes dias de desmanche do Brasil Velho ─ a tornozeleira
eletrônica que os impede de fugir.
Quem seria capaz de
imaginar que coisas assim iriam acontecer um dia? Também não dava para prever
que o maior líder político do país acabaria perdendo a sua situação de
imunidade perante a lei, como ocorreu com doutores e excelências que hoje fazem
parte da população carcerária nacional. Lula, neste momento, é ao mesmo tempo
candidato a presidente e candidato ao presídio. Não está sendo ameaçado por
suas ações políticas; seu problema, caso a Justiça decida que há indícios bem
fundamentados de sua participação em algum delito, é que terá de se submeter a
um processo penal, como todos os demais cidadãos brasileiros. É uma novidade,
igualmente, o fato de não bastar mais mandar no governo, nem utilizar sua
máquina e seus cofres, para se safar da vida real. A ocupante da cadeira
teoricamente mais poderosa da República está hoje reduzida a um pano de estopa
como pessoa pública, arrastada daqui para lá por deputados, senadores e todo um
mundo de aproveitadores que têm o poder real de decidir se ela fica no cargo ou
é deposta. Dilma conseguiu decair ao nível de desmoralização de um Fernando
Collor. A maior realização do seu governo será escapar de um processo de
impeachment humilhante, e que já começa muito mal.
O regime velho, ao
afundar pelos quatro lados em 2015, deixou à vista de todos o embuste sem
limites que foi a sua marca principal durante a fase Lula-Dilma-PT. Há, com
certeza, discordâncias sérias quanto a essa observação. Para muitos, a
corrupção frenética dos últimos treze anos é imbatível na disputa pelo título
de pior pecado da era lulista: quando se roubou mais do Tesouro Nacional?
Outros tantos acham que o desastre número 1 é a sua incompetência sobrenatural
para governar o país no dia a dia das coisas práticas: o que dizer de um
governo que chegou ao fim do ano ameaçado de não ter dinheiro para pagar suas
contas de luz? Todas essas escolhas são corretas, mas talvez nada tenha
mostrado tão bem a alma do Brasil atrasado, decadente e maligno que o PT
liderou de 2003 para cá quanto a escolha da trapaça, pura e direta, como lei
suprema da ação política e administrativa do governo. O Brasil de hoje é o
Brasil do trem-bala, da transposição das águas do São Francisco e da entrada na
Opep, entre outras miragens. Aqui o cidadão chega à classe média ganhando um salário
mínimo por mês. Os governos que juraram “defender a Petrobras” provaram ser os
seus piores inimigos; a empresa está em ruínas, quem investiu em suas ações tem
hoje um mico miserável, e só por conta do petrolão, segundo a última perícia
criminal, ela foi roubada em mais de 40 bilhões de reais. O “momento mágico” da
economia que Lula garantiu ter criado é o que se vê aí: 9 milhões de
desempregados, inflação de 10%, juros de agiotagem, o caixa do governo na porta
da vara de falências. É um manifesto contra quem não é rico.
A mãe de todas as
trapaças é o “resgate de 40 milhões” de brasileiros da pobreza, ou sabe-se lá
quantos. Dezenas de países apresentam resultados melhores que os do Brasil no
combate à miséria ─ com a vantagem de não terem caído, como aqui, numa recessão
de 3,5% em 2015, e talvez outro tanto em 2016, o que tira dos pobres tudo
aquilo que os governos Lula-Dilma disseram ter dado. Que progresso social é
esse que faz com que as coisas andem para trás? O fato é que não transferiram
“renda” nenhuma ─ apenas distribuíram dinheiro que não tinham e tomaram
emprestado a juros extorsivos. O resultado é essa dívida pública monstro que
hoje caminha para os 3 trilhões de reais e rende bilhões para a elite da elite,
os “rentistas” com sobra no bolso para emprestar ao governo. Foram remunerados
com cerca de 500 bilhões de reais em juros pagos pelo Tesouro em 2015 ─ mais
que o total de gastos com o Bolsa Família desde a sua criação. A aritmética é
essa. Ela indica que Lula e Dilma fazem há treze anos seguidos o mais agressivo
governo em favor da minoria já visto neste país; disfarçam isso com falatório
de palanque, mas seu grande programa, na verdade, foi o “Concentra Brasil”.
Ambos tentam tudo,
agora, para salvar o que podem da sua opção por 200 anos de atraso. Mas estão
tocando a Marcha Fúnebre. Não haverá uma nova Dilma. E não haverá outro Lula
depois desse.
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