A exigência de ouvir a verdade era ao mesmo tempo uma crítica à sucessão
de mentiras do grupo de Nixon e uma aspiração de milhões de jovens americanos.
O tempo passou, revolução digital no meio do caminho, e hoje é possível afirmar
que o pedido de Lennon transcendeu a juventude: é um amplo desejo social.
O caso do governo
Nixon contra Lennon tem relação com o Brasil de hoje. Embora incurso em outros
artigos do Código Penal, o governo do PT nesses 12 anos tem a mesma recusa em
aceitar a verdade. Independentemente de nuances políticas, governos ilegais não
têm outro caminho senão construir uma narrativa de fuga, um cipoal de álibis.
Essa incapacidade de nos dar alguma verdade parece incomodar dois quadros
importantes do partido: Patrus Ananias e Jaques Wagner.
Nessa virada de
ano, como se cumprissem uma promessa de réveillon, disseram: um, que o PT
precisava pôr a mão na consciência; o outro, que o PT se lambuzou no poder. É
uma reação tardia. Durante tanto tempo, a mão esteve no bolso dos brasileiros,
estranho que só agora se desloque para a consciência. Jaques Wagner disse
alguma verdade ao afirmar que o PT se lambuzou no poder. Mas o fez de forma tão
hábil que parecia atenuar a culpa por ser um réu primário.
O PT teria chegado
ao poder e reproduzido as práticas que condenava nos outros. Acontece que isso
é apenas um fragmento da realidade. O PT, como nunca antes na História,
transformou a corrupção num instrumento de governo e base para se perpetuar no
poder. Fundos de pensão, estatais, empreiteiras, teles, tudo passou a ser fonte
de recursos. Os aliados foram comprados no Mensalão e ganharam lugares
estratégicos para saquear a Petrobras.
O PT montou um
esquema que produziu fortunas. Sua passagem pelo governo, além de tornar a
prática sistemática e abrangente, fez da corrupção no Brasil um tema
internacional com desdobramento em várias cortes. Possivelmente, a tática dos
dois quadros políticos, diante das resistências internas, é apenas uma proposta
gradativa da verdade. É uma tática que só funciona quando o poder é o único a
deter a realidade dos fatos. Mas hoje eles são públicos, através de dados da
polícia, delações, reportagens investigativas.
A imagem que me vem
à cabeça é a do colégio de freiras Stela Matutina, onde minha mãe estudou. As
alunas tinham de tomar banho de camisola. Jamais se viam os corpos, apenas
sombras, contornos, saliências. Eram virgens, os corpos nus eram um segredo
pessoal. Mas a realidade histórica desnudou o PT. Por que revelar a varejo o
que todos conhecem por atacado?
O gigantesco esquema
montado pelo PT mudou a própria maneira como a sociedade vê a corrupção. Nos
últimos dias do ano, a PF informou que houve um rombo de R$ 5 bilhões no
Postalis. O tema desapareceu como se fosse a luz de um foguete no réveillon.
Não foi adiante porque R$ 5 bilhões parecem ser uma mixaria diante das cifras
gigantescas.
Um governo pode ser
sincero e até meio incompetente. Mas, quando escolhe o caminho ilegal e domina
o espaço político, o estímulo ao cinismo se propaga como um rastilho. Foi
criado no Brasil um partido das mulheres que só tem homens e uma única mulher
como presidente. Uma observadora da ONU, em entrevista sobre as Metas do
Milênio, detectou essa jabuticaba. Mas o fato passou batido como o rombo do
Postalis. Um sólido bloco masculino propondo um partido das mulheres e sendo
reconhecido é apenas mais um dado do cotidiano. Ficou tudo um pouco desconexo,
os vínculos se dissiparam, e hoje o campo da política tornou-se um obstáculo ao
debate racional. Gira em torno de si mesmo. O pior é que as escolhas econômicas
indicam o abismo. O PT quer produzir um vôo da galinha para se salvar nas
eleições de 2016.
A galinha não
consegue voar, mas eles descobriram algo para lhe dar asas: as reservas
monetárias do país. Querem metade delas, cerca de US$ 174 bilhões. Falaram
também que a China vai nos ajudar com empréstimos. Dois dias depois, parece que
a notícia chegou lá: a bolsa chinesa desabou com relatos de queda na produção
industrial. Nossos potenciais salvadores estão em dificuldades. O uso das
reservas terá repercussão negativa nos mercados.
Insistir no que deu
errado achando que um dia dará certo, fugir da verdade quando todos pedem um
encontro com ela, é uma escolha histórica. Nixon, pelo menos, renunciou. No
último momento, de alguma forma, assumiu a verdade.
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