sexta-feira, 25 de julho de 2014

Por uma futura Comissão da Verdade

O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público refrescaram a vida de dona Dilma. Apesar de ela ser a presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, livraram-na da responsabilidade pelo espantoso escândalo da refinaria de Pasadena (localizada no estado americano do Texas), considerada uma montanha de ferro velho, com valor equivalente ao de um container de bananas maduras, porém adquirida e paga ao preço de um caminhão de lingotes do mais puro ouro. Dona Dilma, a cândida, segundo as supras referidas autoridades, teria recebido uma pernada de diretores da Petrobrás, gente safada que não a informou sobre detalhes importantes do negócio. Logo ela, conhecida por "espancar" projetos para deles extrair todas as significações (conforme didaticamente esclareceu há tempos o ministro Mercadante), logo ela, insista-se, foi ser vítima do trampo urdido pela cúpula da empresa, cujos diretores foram todos nomeados pela então poderosa ministra chefe da Casa Civil e por Lula da Silva, o amigão de Hugo Chavez, de Kadafi e dos aiatolás atômicos? Difícil de acreditar. Não custa relembrar o conhecido estilo centralizador da madame, estilo este que a leva a interferir até no plano de voo do avião presidencial, configurando um quadro onde subalternos eventuais jamais encontrariam espaço para o exercício da autonomia. Comigo não, violão, é o brado da tia velha onipotente, centralizadora e obsessiva. 

Ora, em primeiro lugar, se a madame tivesse o juízo político e gerencial que propagandeia, deveria ter questionado, preliminarmente, a legitimidade de se comprar uma refinaria de petróleo justo nos Estados Unidos - o grande satã, inimigo dos povos livres, do socialismo e dos oprimidos em geral. Investir dinheiro dos pobres brasileiros para beneficiar os estadunidenses (o petismo assim denomina os americanos), convenhamos, só pode ser coisa de traíras infiltrados no governo, para denegrir a boa imagem dos patriotas excelentes que nos dirigem. Não era mais simples construir uma refinaria no Brasil? Mais simples, mais barato, mais sensato  e mais patriótico?

Outro, no entanto, foi o entendimento de dona Dilma e seu bando. A surpreendente ideia de jerico da turma era simples na sua essência: sendo o petróleo extraído nas costas marítimas brasileiras de um tipo com baixo valor de mercado, em vez de refiná-lo aqui no país, imaginou-se que seria um excelente negócio comprar uma refinaria no golfo do México, levar para lá o tal petróleo pesado, processá-lo e revender seus subprodutos no mercado americano, aí então com gordos lucros para a multinacional brasileira. Imaginaram singelamente que o Brasil já estava auto suficiente em matéria de combustíveis, e o cenário era propício para consolidar empresarialmente a Petrobrás. Difícil encontrar outro exemplo, na suposição da boa fé, para concepção tão tacanha! E lá se foram pelo mundo nossos "especialistas" em perfurar poços, como diria o Severino, expandindo os negócios tal qual uma equivalente multinacional que se espraia aqui e ali, sempre à cata de uma boa oportunidade..

Claro que tão simplória engenharia esbarrava em questões técnicas óbvias para quem quisesse ver. A refinaria requerida para processar o tal petróleo (do campo de Marlin, por exemplo, situado ao largo do litoral do Rio de Janeiro), deveria ter a configuração adequada de sua planta industrial, vale dizer, capacidade operacional de processar o petróleo pesado típico do Brasil e, por estranha coincidência, também o mesmo petróleo que é encontrado na Venezuela. Nunca se deu a devida atenção a este vínculo potencial; mas se os investimentos em Pasadena se destinavam a gerar lucros para os acionistas, a aquisição de petróleo pesado em fonte mais próxima permitiria economizar ao menos no valor do frete. 
  
Deixando de lado ponderações do tipo, a refinaria de Pasadena foi comprada pela Petrobrás (50%, inicialmente, com a outra metade nas mãos de espertos negociantes belgas, seus antigos donos), mesmo não sendo ela apta a refinar o petróleo brasileiro (nem o da Venezuela, repita-se, para valorizar a coincidência). A pátria do bolivarianismo, afinal, está ali mesmo, pertinho das instalações de refino caribenhas, muito mais próxima, aliás, que os campos de petróleo brasileiro da Petrobrás e, na eventualidade de não se dispor da matéria prima do Brasil, Pasadena poderia perfeitamente atender aos interesses dos venezuelanos (sem falar dos de Cuba).

Qualquer pessoa medianamente informada já deduziria que algo errado estava em andamento. Num país como o Brasil, tão carente de investimentos industriais de base, ainda mais num setor estratégico como o da energia, como justificar a aquisição de uma refinaria de petróleo no Texas, tecnologicamente ultrapassada e, ainda por cima, inadequada para os fins perseguidos oficialmente, pois ajustada apenas ao petróleo leve, só extraído em regiões do mundo bem localizadas? Seria imaginável a hipótese que considerasse otários os norte-americanos e, nós, os brazucas, os mais sabidos do mundo?

Dona Dilma é mineira. Ser mineiro, além das prescrições roseanas, implica também estar sempre levando manta nos negócios e, ao descobrir o engodo, em vez de botar a viola no saco, sair denunciando que foi passado para trás. Mineiro é mesmo bocó! Deve ser algum carma, similar ao dos palestinos: nunca perder a oportunidade de perder a oportunidade.  No lusco fusco das vagas lembranças de dona Dilma pairava, certamente, o período em que os mineiros iam ao Rio de Janeiro e a São Paulo para comprar bondes. Será que ela resolveu inovar, adquirindo agora refinaria caindo aos pedaços? Os velhacos e trapaceiros do mundo - de tiranetes latinos até ferozes aiatolás, passando por ditadores africanos – mas não somente eles, todos agora andam a tirar uma casquinha nos brasileiros, estes seres angelicais, tão bonzinhos como os da anedota. Até os alemães não perdem a oportunidade de levar alguma vantagem, conforme se viu recentemente na Copa do Mundo.  

Pois bem, comprada a refinaria haveriam duas saídas: ou ela continuaria a processar o tipo de petróleo para o qual foi concebida, ou deveria sofrer uma custosa adaptação para trabalhar com o petróleo pesado brasileiro ou venezuelano (foi aqui que os sócios belgas pularam fora, cientes do volume dos novos investimentos para chegar ao ponto desejado pela Petrobrás, obrigando esta a adquirir a outra metade da companhia, conforme estabelecido em contrato). Com um vasto e experiente corpo técnico - ou não era, como sempre foi considerado? - os engenheiros e economistas da Petrobrás não mediram a água e o fubá para fazer o angu desejado. Ao que parece, esconderam os cálculos que lhes foram requisitados. A buliçosa Associação dos Engenheiros da Petrobrás quedou em obsequioso silêncio. Foi tudo, como se diz, realizado nas coxas. Nada mais, nada menos que mera "conta de padeiro", conforme a pitoresca definição de notório trambiqueiro envolvido com o assunto, ao se referir a outro escândalo mais garboso ainda para os padrões do petismo: o inacreditável caso da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco (as digitais de Hugo Chavez, outra espantosa coincidência, estão na gênese desse outro empreendimento). Este caso nem é da alçada de Tribunal de Contas: é caso de polícia comum, de delegacia de furtos e roubos.

Imagine-se um criador de porcos que precise comprar um meio que permita transportá-los. Aparece, então, um vendedor que lhe oferece um micro-ônibus escolar de segunda mão para fazer o serviço. O criador de porcos compra o veículo e só então percebe que há uma inadequação entre o ônibus e a carga. Terá, portanto, que fazer modificações, adaptando o que era adequado ao transporte de gente para uma carroçaria ajustada ao deslocamento dos animais. Melhor teria sido se a aquisição feita já fosse, antes, de um caminhão próprio às suas necessidades. O aparentemente barato, no início, acabaria ficando muito mais caro para o interessado. Claro que outras metáforas menos sujas podem ser utilizadas, porém, no caso, a suína, é uma justa homenagem aos participantes da negociata. 

Da mesma maneira que o ocorrido com o mensalão – quando o Ministério Público não teve coragem de imputar a Lula sua parte naquele latifúndio – repete-se o mesmo com dona Dilma, que mandava e desmandava nas decisões fundamentais da Petrobrás, porém escapou das acusações de improbidade administrativa que claramente lhe pertencem. O prejuízo foi debitado na conta da diretoria executiva, que não tinha competência jurídica para decidir sobre a compra de Pasadena, competência esta do Conselho de Administração, conforme o estatuto da Petrobrás. No futuro que se avizinha, uma comissão da verdade, aí sim, necessária, ainda trará a lume as tramas urdidas, e as responsabilidades de cada um pelas inumeráveis patifarias dos últimos doze anos. A sorte de Lula e de dona Dilma é a amizade de ambos com Fidel Castro. Poderão fugir e pedir asilo a Cuba. Eis aí uma função de relevância que poderia ser atribuída ao ministro Joaquim Barbosa. O povo aplaudiria em delírio.

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