quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Justiça por linchamento (Elias Canetti)

Nunca a leitura do grande livro Massa e Poder, de Elias Canetti, foi tão necessária como nos dias que correm. As maltas aludidas por ele, ferozes e intolerantes, das quais temos notícias e imagens permanentes, caçam-se e trucidam-se de maneira implacável: fazem justiça a seu modo e estilo. Não tardará o dia em que os corações das vitimas serão degustados em ritualizado banquete de canibais. Tal festim pode lançar mão, ainda, de outra receita tradicional: moquear o corpo de algum chefão, pilar com banana e obter assim a mesma paçoca ancestral que alimentou o corpo e o espírito de inumeráveis antepassados.


Segundo Canetti, "a expressão (justiça por linchamento) é tão descarada quanto aquilo que ela designa, pois trata-se aí, na verdade, de uma supressão da justiça. Não se considera digna dela a pessoa inculpada. Tal pessoa deve morrer feito um animal, sem direito a nenhuma das formalidades usuais entre os homens. (...) As crueldades que os homens se permitem no ato do linchamento explicam-se possivelmente pelo fato de não poderem eles devorar sua vítima. Provavelmente, veem-se como homens porque não cravam nela os dentes" (p. 117).

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