Na manhã de
segunda-feira, 2 de março de 1970, quatro homens assaltaram um veículo em
Canoas (RS). Roubaram o equivalente a R$ 565 mil da Ultragraz.
Na ação
estava um jovem de 19 anos, alto, magro, emplastro no rosto e revolver calibre
38 na mão. O mineiro Jorge era da VAR-Palmares, derivado do Comando de
Libertação Nacional (Colina) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR),
devotados à luta armada contra a ditadura.
Mês
seguinte, interceptaram outro carro, em Porto Alegre. Naquela noite de sábado,
4 de abril, Jorge desceu do Fusca apontando um calibre .45 para o cônsul
americano Curtis Carly Cutter, 42 anos. Veterano da guerra da Coreia, Cutter
acelerou seu vigoroso Plymouth Fury. Levou bala no ombro. Deixou um deles
estirado, com o tornozelo ferido pela roda — logo foi preso, torturado, e
amargou três anos na cadeia.
O
manquejar de Fernando Pimentel, governador de Minas, é herança desse confronto,
quando vestia a máscara do terrorista Jorge na liderança da “Unidade de Combate
Manoel Raimundo Soares” da VAR-Palmares gaúcha.
Passaram-se
47 verões. Pimentel agora é um governante recluso, sitiado pela calamidade
administrativa e processos por corrupção.
Em
dezembro, arriscou passeio num shopping em São Paulo. Saiu hostilizado, sob
gritos de “ladrão”. Semana passada foi flagrado usando helicóptero do governo
para resgatar parente em festa de ano-novo num balneário, a 270 quilômetros da
capital. Minas, na falência, descobriu que o governador gastara R$ 21,8 milhões
em dois novos helicópteros.
Aos 65
anos, Pimentel é um político na sala de espera do tempo. Aguarda que o correr
da vida embrulhe tudo, como dizia Guimarães Rosa. Governa
com finanças em desgraça, por efeito da recessão num estado dependente de
indústrias antigas, como siderurgia, mineração e automóveis.
Os danos ao Erário
foram potencializados por decisões errôneas suas e dos antecessores, mas
atribui a eles toda culpa pelo infortúnio.
Minas se
destaca no grupo dos falidos. Ampliou isenções fiscais e aumentou em 78% o
gasto com pessoal, entre 2009 e 2016. Mantém um buraco de R$ 8 bilhões, pelo
segundo ano.
O
governador resiste ao socorro federal. Prefere parcelar salários, reduzir
gastos na Saúde e insistir na loteria dos cenários. Num deles, o governo Temer
seria pressionado a atender a todos, sem condicionalidades. Noutro, haveria
imediata retomada da economia nacional.
Pimentel
joga também com o tempo em processos nos quais é acusado de ter transformado em
balcão de negócios o Ministério da Indústria, no governo Dilma. Seu antigo
aliado, Benedito Rodrigues, detalhou a lavagem de R$ 10 milhões recebidos do
grupo Caoa em troca de benefícios fiscais na importação de autopeças. Relatou,
ainda, propina de R$ 15 milhões do grupo Odebrecht para liberação de créditos
do BNDES em obras no exterior.
Pimentel
aposta na chancela do Supremo à Constituição mineira, pela qual processos
contra ele só seriam possíveis com autorização da Assembleia — onde tem
maioria.
Ao
conquistar o governo do segundo maior colégio eleitoral do país, em 2014, o
ex-guerrilheiro Jorge foi saudado como símbolo da renovação de um PT em crise.
Pimentel chegou à metade do mandato isolado, dentro e fora do partido,
prisioneiro de si mesmo.
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