Todas as manhãs, ao acordar, o
presidente Michel Temer deveria olhar no espelho e repetir, pelo menos três
vezes, o milenar ensinamento do imperador César: “Odeio a palavra confiar,
odeio a palavra confiar, odeio a palavra confiar”.
Nosso presidente
possui um traço de caráter que é bom: ele gosta dos amigos. Sim, todos aqueles
que com ele convivem percebem claramente sua inclinação quase ostensiva à
afetividade – e isso é muito bom num ser humano. Menos no chefe da Nação.
Por confiar numa
pessoa com quem conviveu em intimidade durante pelo menos 20 anos, o
ex-ministro Geddel Vieira Lima, Michel Temer não se mostrou capaz de perceber
que estava para sofrer um dos mais duros golpes de sua carreira política. Ele
foi arrastado ao fundo pelo amigo como quem recebe um abraço de afogados, e
viveu, por isso, a mais séria crise de governo.
Temer também
parece não haver percebido, ao convidar um estranho para o honroso cargo de
ministro da Cultura, que passara a ter ao seu lado não um amigo, um aliado,
como seria desejável, mas um adversário dos mais cruéis.
É de causar perplexidade que esse diplomata, ao assumir o cargo de ministro da Cultura, tenha agido às avessas e provocado no País uma crise sem precedentes, que fez subir o dólar, baixar a Bolsa de Valores e difundir um clima de susto e de pessimismo. Em vez de agir diplomaticamente e esquivar-se com educação da proposta maliciosa de Geddel Vieira Lima, ele optou por tornar pública uma questão privada – e assim botou fogo na fogueira.
Não há subordinação
entre ministros, secretários de Estado, juízes, promotores e outras categorias
profissionais e políticas, por isso não se entendem as razões por que ele não
procurou superar o incidente a não ser tornando-o público. Sofreu pressões?
Como não era
subordinado de Geddel, bastava dizer não e que ele se entendesse com o
presidente. O que não se compreende é que tenha ignorado os ensinamentos
obtidos na diplomacia e agido como um adversário político, a ponto de revelar
lado sombrio de seu caráter e fazer gravações telefônicas até mesmo do
presidente da República, que o honrou com o convite para ocupar o cargo de
ministro.
Sem nenhuma
dúvida, Geddel Vieira Lima foi torpe e ganancioso ao se valer da posição em que
se encontrava para procurar obter uma vantagem pessoal, de natureza econômica.
Merecia mesmo ser demitido, a não ser por um pormenor jurídico que ainda não
foi considerado, nem esclarecido.
A Constituição
federal dispõe com clareza que o modelo federativo do Estado brasileiro
repartiu entre os órgãos federados a competência para a proteção do patrimônio
histórico e de meio ambiente. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura que
responde pela preservação do patrimônio cultural brasileiro. Como há
competência concorrente entre União, Estado e municípios, é extremamente comum
órgãos diferentes (Iphans diferentes) se manifestarem de forma diversa sobre a
construção de um prédio, como no caso de Salvador.
Foi o que aconteceu
no Ministério da Cultura, em que o Iphan federal divergiu do Iphan baiano. Em
casos de competências concorrentes, prevalece a do órgão federal, mas isso deve
transcorrer num clima de educação e cordialidade – qualidades que nem Geddel
nem Marcelo Calero possuem de sobra.
A lamentável
ausência de mútua compreensão resultou em consequências danosas para o País. Os
dois ministros erraram muito e tiveram merecido desfecho: ambos estão fora do
Ministério. Geddel é deputado federal e continuará sua carreira. Mas quanto ao
diplomata, é difícil prever qual será o seu destino. Ele procurou aparecer como
defensor da República, da democracia e da moralidade, mas, como cometeu a
traição de gravar clandestinamente conversa com o presidente da República, que
o honrara com o convite para o cargo de ministro, será sempre lembrado por
isso.
Passados já
alguns dias do início da crise, confirmada a gravação traiçoeira do presidente
da República, vê-se que para Calero teria sido muito melhor não ceder e
enfrentar e superar aquele ato isolado de corrupção sem a opção de botar a boca
no trombone, fazendo um escândalo de dimensões internacionais.
Não se pode
entender por que optou por tornar público o assunto e levar o País a uma crise
tão grave. Afinal, o ato de corrupção, se existiu, tinha como autor o ministro
Geddel Vieira Lima, interessado na obra – e este, sim, deveria pagar pela
conduta execrável (na verdade, já pagou, com a desmoralização sofrida). Não
havia necessidade de impor ao País mais um sofrimento, além de todos aqueles
que nos abalam há anos.
Lamentavelmente,
o temperamento incendiário de Marcelo Calero mostra que ele não servia para ser
ministro, muito menos diplomata. Ao fazer a denúncia, conquistou a glória da
notoriedade e destaque em jornais, televisões, transformou-se no super-homem
das histórias em quadrinhos, certamente sem perceber que é sempre fugaz e
enganosa a projeção pessoal que se conquista nessas circunstâncias, até porque
o tempo passa, mas o episódio deixa suas marcas para sempre.
Imagina-se que confiança
poderá merecer se um dia estiver a serviço do Brasil em função diplomática em
outros países. Sim, sempre será visto como aquele capaz de gravar telefonemas
até mesmo do presidente da República.
No fim das
contas, o presidente ficou livre de duas pessoas que não serviam. Isso, somente
isso, foi o que Michel Temer ganhou. Agora, resta desejar que uma boa dose
diária de desconfiança o salve de outras enrascadas.
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