sábado, 26 de dezembro de 2015

Barroso: impeachment ou renúncia


Embargo de declaração é uma modalidade recursal utilizada para pedir esclarecimentos ao julgador, ou julgadores, quanto a eventuais contradições, omissões e obscuridades contidas na sentença, ou decisão, recorrida. 

No jargão jurídico tal tipo de embargo pode ter efeitos infringentes, vale dizer, pode mesmo modificar o sentido, invertendo-o, das decisões questionadas. Obrigados a se justificarem, os juízes precisam demonstrar o nexo necessário entre suas premissas e suas conclusões. Algo similar ao que estão obrigadas as partes processuais, por exemplo, numa reclamatória trabalhista, na qual devem constar, obrigatoriamente, na petição inicial, o pedido e a causa de pedir. Não havendo-os, tem-se por inepta a referida petição. 

A única situação judicial em que julgadores não estão obrigados a justificar a decisão tomada - condenatória ou não - ocorre no Tribunal do Juri, em respeito ao princípio constitucional da soberania do veredito popular.

No Supremo Tribunal Federal, portanto, mais que em qualquer outra instância julgadora porventura existente, não pode haver ato gratuito, na base do "é assim porque quero", num voluntarismo reprovável e inaceitável. Quem assim o faz não está no pleno exercício de suas faculdades mentais; está no limiar da loucura, inebriado certamente pela hybris a que se referiam os gregos. É a demasia, a falta de limites, o orgulho prepotente, a ausência do sentido de proporção, é a contaminação, pelas mais baixas paixões, do atributo judicante concedido aos magistrados. 

Duplamente intoxicado - pelo ódio ao deputado Eduardo Cunha, e pela soberba de quem se julga melhor que os outros - o ministro Barroso, do STF, mostrou-se publicamente capaz da mais sórdida manobra que um juiz pode cometer, a propósito da intervenção promovida contra a Câmara dos Deputados, com o pretexto de regulamentar o processo de impeachment de dona Dilma. Barroso agiu com espantosa deslealdade processual, ao pinçar de preceito, contido no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, uma frase que, se referida explicitamente, derrubaria toda a argumentação capciosa que o ministro já tinha elaborado visando condenar o deputado Cunha. 

A conduta do magistrado faz lembrar a denúncia de Joaquim Barbosa, ex-relator da Ação Penal 470 (do mensalão), quando tachou Ricardo Lewandovski de chicaneiro, em vista de suas reiteradas e espúrias manifestações para proteger a quadrilha do PT em julgamento pelo Supremo. Tomando emprestado um juízo do próprio Barroso, a respeito dos resultados a que chegou a Ação Penal 470, sua postura foi "um ponto fora da curva" no tocante à honestidade intelectual costumeira da magistratura em qualquer instância mas inafastável naquela que é a referência para todos. 

Será educativo para o povo brasileiro tomar conhecimento do inteiro teor do Acórdão do julgamento ainda a ser lavrado. Qual será o truque para afastar da decisão a fraude perpetrada por Barroso, se é que o STF compactuará com isso? A chicana de Barroso seria aceitável - vá lá - como estratégia limite dentro do princípio da plenitude da defesa por parte de advogados criminais. Em nenhuma hipótese, porém, admissível quando provinda daquele incumbido de julgar. Barroso se revelou um magistrado faccioso, numa clara transgressão ética, doutrinária, intelectual e legal. 

Deveria sofrer, também, um processo de impeachment, por quebra de decoro, dada sua equiparação moral àqueles parlamentares que estão sendo submetidos à censura de comissões de ética no Senado e na Câmara dos Deputados. Um parlamentar que mente para seus pares pode perder o mandato. E um juiz que mente escandalosamente numa sessão de julgamento público? Não deveria perder também seu cargo? A conduta de Barroso se faz ainda mais odiosa por ser ele o grande ícone hermenêutico do chamado Novo Constitucionalismo. Lamentável exemplo dá ele à comunidade jurídica, sobre os princípios que tão ardentemente defende. Sua postura permite retroceder à apreciação de Omar Kahyan, provocando legítimas suspeitas sobre sua alardeada sinceridade. Disse o grande poeta persa há mil anos em uma rubaiata: "com a moeda dos princípios não se compra nos mercados nem um triste pé de alface".

De fato, se é verdade que as chefias do Executivo e do Congresso estão sob o risco da perda de seus mandatos, não seria bom deixar de fora alguns figurões do Judiciário, tão deletérios para a vida da Nação quanto aqueles outros postos ao escrutínio público. O ministro Marco Aurélio Mello, bem recentemente, pediu a renúncia dos chefes dos outros poderes para dar início à pacificação política do Brasil. Terá ele coragem de pedi-la também para alguns de seus colegas da mais alta Corte da justiça? Quem sabe, até, puxando ele a fila desse bando de comedores de lótus? Dificilmente, é a resposta mais provável. Afinal, bancar o Tiradentes com o pescoço alheio é muito mais agradável, e menos doloroso, não há a menor dúvida. 

Que se aplique ao ministro Barroso os critérios que ele defendeu fossem utilizados contra o deputado Cunha, ao acusar o presidente da Câmara dos Deputados da prática de ilicitudes, ilegalidades e unipessoais arbitrariedades. Faça-se a ele o mesmo que o relatado no julgamento, proferido pelo rei Davi, em questão posta pelo profeta Natan, contido no livro 2 de Samuel, no Velho Testamento, a propósito do assassinato de Urias, o heteu.    

Para Barroso, a única saída com alguma dignidade é a renúncia. Assim, vai ele se juntar a outros renunciantes paradigmáticos na história dos três poderes brasileiros: Severino Cavalcanti e Fernando Collor de Mello.Os porquinhos conspurcaram, cada um no seu pedaço, a relação de confiança fundamental para o exercício da função pública numa democracia constitucional.
  

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