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O invejado e o invejoso |
O ex-presidente Lula confirmou nesta quarta-feira que jamais se livrará da assombração que lhe confisca o sono desde o século passado. “Fernando Henrique Cardoso tem inveja do meu sucesso”, repetiu o palanque ambulante castigado por rachaduras que anunciam o desabamento inevitável. O embusteiro em seu ocaso não consegue esquecer o homem que o surrou nas urnas. Duas vezes, ambas no primeiro turno.
“É só comparar meu
governo com o dele para saber por que o FHC não se conforma com um operário que
deu certo na Presidência”, delirou o parteiro da conjunção de crises que ameaça
o país com a falência política, econômica e moral. “Vejam o que eles fizeram e
o que nós fizemos”. Se a oposição fosse menos inepta e mais altiva, teria
aceitado há muito tempo o confronto proposto pelo recordista mundial de bravata
& bazófia.
A mirada no
retrovisor refletiria as incontáveis abjeções que escurecem a trajetória
do PT, conduzido desde sempre pelo sinuelo desprovido do sentimento da
vergonha. Em novembro de 1984, por não enxergar diferenças entre Paulo Maluf e
Tancredo Neves, o partido optou pela abstenção no Colégio Eleitoral que
escolheria o primeiro presidente civil depois do ciclo dos generais. Em janeiro
de 1985, os deputados federais Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes votaram
em Tancredo. Foram expulsos do PT por ordem do comandante.
Em 1988, a bancada
do PT na Constituinte recusou-se a assinar o texto da nova Constituição. No
mesmo ano, num discurso em Aracaju, o deputado federal Luiz Inácio Lula da
Silva informou que o presidente José Sarney era “o grande ladrão da Nova
República”. Lula e Sarney não demoraram a descobrir que haviam nascido um para
o outro, Hoje são amigos de infância.
Na campanha
presidencial de 1989, o candidato do PT acusou Fernando Collor de “filhote da
ditadura”. Depois do impeachment, “corrupto” foi a palavra mais branda que usou
para qualificar o inimigo. Collor revidou com dois adjetivos no fígado
(“ignorante” e “cambalacheiro”) e uma frase no queixo: “Lula é incapaz de
distinguir uma fatura de uma duplicata”.
As duas almas
gêmeas saberiam que também dividiam a paixão pela fortuna súbita que precede a
vida perigosamente mansa. No momento, o senador do PTB de Alagoas e o chefão do
partido que virou bando são colegas de Petrolão. Fora o resto, estiveram juntos
no esquema que esvaziou os cofres da estatal. Poderão juntar-se de novo na
traseira do mesmo camburão.
Em 1993, a
ex-prefeita Luiza Erundina, uma das fundadoras do partido, aceitou o convite do
presidente Itamar Franco para participar do ministério. Foi empurrada para fora
do PT. Em 1994, ainda no governo Itamar Franco, os parlamentares petistas
lutaram com ferocidade para impedir a aprovação do Plano Real. No mesmo ano,
transformaram a revogação da mudança que erradicara a praga da inflação na
bandeira principal da campanha presidencial.
Entre o começo de
janeiro de 1995 e o fim de dezembro de 2002, a bancada do PT votou contra todos
os projetos, medidas, sugestões ou ideias encaminhados ao Legislativo pelo
governo Fernando Henrique Cardoso. Todos, sem exceção. Uma das propostas mais
intensamente combatidas foi a que instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Desde a ressurreição da democracia, a ação do PT oposicionista foi
permanentemente subordinada a sentimentos menores, interesses mesquinhos,
objetivos sórdidos e sonhos liberticidas.
Em janeiro de 1999, mal iniciado o segundo mandato, o deputado Tarso
Genro propôs a deposição do presidente reeleito e a convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte. O lançamento da campanha com o mote “Fora
FHC!” evocou acusações que Tarso enfeixou num artigo publicado pela Folha. Trecho:
“O presidente Fernando Henrique está pessoalmente responsabilizado
por amparar um grupo fora da lei, que controla as finanças do Estado e
subordina o trabalho e o capital do país ao enriquecimento ilegítimo de uns
poucos. Alguns bancos lucraram em janeiro (evidentemente, por ter informações
privilegiadas) US$ 1,3 bilhão, valor que não lucraram em todo o ano passado!
Depois da eleição
de 2002, FHC impediu que a inflação fosse ressuscitada pelo medo decorrente da
ascensão do PT. Entre o começo de novembro e o fim de dezembro, FHC
comandou a primeira transição civilizada da história republicana e entregou a
casa em ordem. Um surto de juízo aconselhou o sucessor a entregar a direção do
Banco Central a Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás.
Três meses depois da posse, o oportunista de nascença começou a costurar a
fantasia repulsiva da “herança maldita”.
O reizinho malandro
finalmente está nu. O vigarista que prometia moralizar o país é o padroeiro de
quadrilhas insaciáveis. O oposicionista que ignorou a mão estendida por
Tancredo Neves passou a confraternizar com qualquer caso de polícia. A
vestal de bordel institucionalizou a roubalheira impune. Meteu-se até o
pescoço nos maiores escândalos registrados desde a chegada das caravelas. E
ensinou os filhos a fazer o que fazem.
A nação enfim
acordou, e entendeu que o inventor do Brasil Maravilha era o disfarce do
farsante boquirroto. O milagreiro de araque recebeu de FHC um país pronto para
o ingresso no mundo civilizado. Com a ajuda do poste que instalou no Planalto,
reaproximou o Brasil do tempo das cavernas. É ele o pai da verdadeira herança
maldita. Mas nem fica ruborizado ao recitar que FHC sempre quis ser Lula quando
crescesse.
“É inveja”,
esbraveja o marechal do que o ministro Celso de Mello qualificou de esquema
criminoso de poder. O espelho berra o contrário. Nenhum homem culto prefere ser
ignorante. Gente civilizada despreza a tribo dos primitivos. Um estadista
honrado quer distância de um politiqueiro fora da lei.
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