quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A sinuca dos tucanos mineiros

Os tucanos mineiros estão numa tremenda sinuca. Basta um toque a mais, e eles estarão fora do jogo, emborcados dentro da caçapa. Não conseguiram desatar o nó estratégico em que foram postos na presente campanha eleitoral: defender a continuidade do mesmo grupo político, há doze anos no comando do governo mineiro e, ao mesmo tempo, advogar a mudança no plano federal do outro grupo político, encastelado no Planalto há exatos, e iguais, doze anos. Uma situação verdadeiramente esquizofrênica. Mudar lá e ficar o mesmo aqui, ou mudar aqui e ficar o mesmo lá. Tremendo dilema. Difícil fazer-se compreendido pelo eleitor. 

O apoio formal de Aécio a Pimenta, por algum infortúnio ou mistério, não consegue ser traduzido em votos para o apoiado. Dá a impressão de ser um apoio similar ao que a corda dá ao enforcado: "pode pular que aqui tá firme". O deputado estadual João Leite, do PSDB mineiro, sofreu a mesma experiência quando disputou contra Pimentel, em 2004, a prefeitura de Belo Horizonte. 

O mais curioso é que os estrategistas tucanos não tenham detectado com antecedência a antinômica situação descrita acima. Não lançam eles mão de estudos e pesquisas qualitativas para avaliar o cenário político e eleitoral? Quem faz suas pesquisas e conduz o discurso de campanha? Não fazem testes com os materiais antes de ir às ruas? Não se diga que o quadro nacional, que sofreu um revertério com a morte de Eduardo Campos, tem a ver com a conjuntura mineira. Antes do acidente fatal com o candidato presidencial do PSB, os resultados de pesquisas que vinham a público já apontavam a vantagem do petista - Fernando Pimentel - em desfavor do candidato do PSDB - Pimenta da Veiga. 

Pesquisas não divulgadas que, aliás, nunca deixaram de ser realizadas pelos interessados desde o início do ano de 2014, sinalizavam o amplo favoritismo de Aécio e Pimentel. Este, espertamente, surfava na onda daquele. Fazia-o de maneira tão visível, tão acintosa, que chegou a ser admoestado, pela direção nacional do PT, para que não continuasse a fomentar o voto "pimentécio" (fusão do voto em Pimentel e Aécio), deixando de lado dona Dilma, a candidata oficial petista. Pimentel, é óbvio, negou no maior caradurismo.

A fria lógica que parece ter orientado a estratégia  de Pimentel pode ser descrita facilmente. Se os eleitores querem mudar (a começar pela presidência), que se mude tudo, então, inclusive o governo estadual. Vale para o maior? Que seja. Aí, em vez de brigar com o espírito do eleitor, navegue-se a favor da corrente, no tocante à disputa do governo menor. Até na estética de campanha, Pimentel se ajustou a Aécio. Ela é um decalque da estética tradicional dos tucanos, cheia de azul e amarelo, em vez do berrante vermelho tradicional do PT. Mais incrível foi que Pimenta da Veiga, num movimento inverso, incorporou às suas cores o repudiado vermelho de Pimentel. Pimenta da Veiga ficou com cara de Dilma Rousseff, enquanto Pimentel se metamorfoseava quase que num clone de Aécio.

Com o andar da carruagem, Pimentel se descolou da onda de Aécio, principalmente no momento em que este começou a cair na preferência popular, a partir da explosão do fenômeno Marina Silva. Já chegou a fazer declarações simpáticas a esta, pronto para se atrelar na eventual caravana vitoriosa da ex-ministra do meio ambiente. Pimenta segue em postura catatônica, agravada agora pelo peso de Aécio, operando como bola de ferro amarrada na canela do candidato ao governo de Minas.

Numa visão retrospectiva, a candidatura de Pimenta parece ter sido pensada para não vingar. Caso vencesse, a vitória seria de Aécio; caso perdesse, o que deveria ser o resultado secretamente buscado, a derrota seria sua. É como se um pacto tácito tivesse sido construído: Aécio disputa e ganha a presidência e, em contrapartida, não colocaria obstáculo ao sucesso de Pimentel em Minas (o voto "pimentécio"). Tal arranjo atenderia aos interesses de ambos - Pimentel e Aécio. Aécio ainda levaria de troco um senador para sua bancada pessoal, o qual disputaria com um candidato inexpressivo na chapa petista, sem história e densidade política para ganhar, como de fato está a acontecer. Josué Alencar, filho do ex-vice de Lula, José Alencar, mesmo com sua imensa fortuna, seria presa fácil para Anastasia, o senador aecista.  

Marina, no entanto, embaralhou o jogo e fez com que o pactuado tivesse que ser renegociado. Com o fechamento de espaço para Aécio no plano federal, não havia como manter apalavrado aquilo que foi negociado no plano estadual, o pacta sunt servanda. Em vista da mudança do quadro caberia arguir um reexame do acordado, com a aplicação do princípio do rebus sic standibus. 

O problema dos tucanos, agora, em vista da urgência, é achar o caminho para fechar as portas, francamente entreabertas para Pimentel, garantindo uma disputa que vá, ao menos, para o segundo turno em Minas Gerais.

Pimentel tem baixa rejeição. Pimenta também, o que torna a disputa mais insólita ainda. Mais estranho: o atual governante - Alberto Pinto Coelho -  tem uma avaliação positiva não desprezível. Somando-se o ÓTIMO com o BOM 
chega-se a 33%, ou seja, há uma terça parte do eleitorado que, por fidelidade à coerência, estaria predisposta a votar no candidato da situação. Qual a justificativa, portanto, para Pimenta da Veiga não ultrapassar 25% de intenção de voto? 

Mais surpreendente é que tais resultados não guardam relação, também, com o esforço visível da máquina governista, envolvendo deputados, prefeitos, vereadores e lideranças dos 853 municípios mineiros. Só o governador Alberto Pinto Coelho mantém-se num silêncio sepulcral, cumprindo o papel subalterno que lhe foi reservado, o de mero adereço do palácio Tiradentes. 

A bem da verdade, Alberto Pinto Coelho deveria ter sido candidato  à reeleição: mais natural não poderia ser. Antônio Anastasia, então vice de Aécio, não assumiu o governo e, depois, disputou novo mandato, já como governador empossado? Alberto Pinto Coelho não era do grupo de Aécio, tanto é que foi seu vice? Por qual razão, então, foi preterido em favor de um político aposentado - Pimenta da Veiga - há muito distante do cotidiano de Minas Gerais?

Talvez a soberba possa ser invocada à guisa de explicação. Alguma coisa parecida com a síndrome de Lula, mania que alguns pegam de achar que podem por e dispor, de eleger qualquer poste sem luz própria, ou transformar políticos desconhecidos em lideranças de grande poder. Ou, então, o mais razoável: que Alberto Pinto Coelho não se prestaria a cumprir o papel de boi preto do cu branco, entrando na disputa para fazer figuração, dado que os complexos acertos de Aécio previam a vitória de Pimentel em Minas e a dele, Aécio, no restante do Brasil. No papel a mágica era impecável. De repente, no entanto, cai um avião e aparece Marina Silva.  

Marina, realmente, bagunçou o coreto da política, não só a brasileira, mas igualmente a mineira. No caso mineiro, repita-se, por provocar mudanças nos pactos regionais, sem afetar diretamente candidaturas locais organicamente vinculadas à sua. Observe-se que Tarcísio Delgado e Margarida Vieira, candidatos ao governo e ao Senado, respectivamente, pelo PSB, não conseguem chegar aos 5% de preferência popular, segundo as últimas pesquisas. O furacão Marina apenas despiu, colocando-os a nu, os títeres e o titereiro que os manipulava em Minas Gerais.

Mulher afeita às artes da floresta, Marina sacudiu o galho, e muito macaco distraído despencou no chão. Alguns, como Pimenta, já estavam mesmo condenados, bem ao alcance do devorador famélico. A fuga será quase impossível. Numa bolsa de apostas, melhor escolher a onça. 



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