sábado, 19 de maio de 2018

Kit passeata (Publicado em OTEMPO, de 17-05-2018)




Talvez seja uma espécie de amarga tradição ou, talvez somente uma infortunada coincidência ou - quem sabe? – uma singela sinalização a respeito do futuro que nos espera.  O fato é que no intervalo de pouco mais que uma geração (1979 e 2018),  professores mineiros foram  recepcionados da mesma maneira pelas forças repressivas em Belo Horizonte: com empurrões e com jatos d’água, em truculenta resposta às suas principais reivindicações.

Professores da educação básica, em geral, pedem três coisas às autoridades de qualquer nível às quais estão subordinadas: condições de trabalho, dinheiro e segurança. Algo absolutamente razoável sob qualquer ponto de vista.


Naquele já longínquo ano de 1979 o governador era Francelino Pereira e Paulino Cícero o Secretário Estadual de Educação (é bom memorizar o nome dos mandões). Pedia-se aumento salarial. Como nos dias que correm, os cofres estavam vazios, alegavam os então Secretários da Fazenda e da Administração. A prefeitura da capital, mera extensão política do Estado, pouco podia fazer para os seus. 

Hoje é diferente. As instâncias locais e regionais possuem competência relativa dentro do pacto federativo. Quanto ao papel desempenhado pela Polícia e Bombeiros militares, sob o comando do governo estadual, naquela época e agora, vale lembrar que só atuam cumprindo ordens, em estrito respeito às normas da disciplina e da hierarquia. Quem, portanto, acionou, à distância, o gatilho dos canhões de água gelada contra homens e mulheres indefesos não foram os policiais; os responsáveis são os dirigentes, portadores da caneta que assinou as ordens.


Nos velhos bons tempos de explícita e corajosa solidariedade, professores da UFMG convocaram greve em apoio aos docentes reprimidos e humilhados da rede estadual. Agora, não se ouviu mais que um silêncio obsequioso ou, no máximo, algum leve rosnado pra dentro, vindo das estruturas educacionais aparelhadas pelo petismo pois, afinal, há importantes interesses que não podem ser comprometidos, caso a corda venha a ser esticada ao ponto de ruptura. 

As boquinhas, conforme diria Garotinho, não podem ser ameaçadas por situações tão banais. Há quem diga que as mestras até apreciaram o banho involuntário.


Na próxima passeata, professoras incorporarão ao kit passeata – composto de bandeiras da CUT, do PT e dos seus puxadinhos, apitos e megafones – um vistoso maiô listrado de preto e branco, em homenagem simultânea ao demiurgo recolhido na cadeia de Curitiba, um sabonete e uma toalha. Tudo acabará, então, como festa em alegre confraternização da companheirada. É pedagógico recuperar as palavras de Lula da Silva ditas aos professores enxovalhados, no calor dos acontecimentos, quatro décadas atrás: “A luta de vocês é de todos os trabalhadores brasileiros”. Agora, não mandou nem um bilhetinho. Carta, então, nem pensar. Seu furor epistolar está voltado para o juiz Moro.

Ai de Bolsonaro se fosse ele, ou algum de seus adeptos ou simpatizantes, os responsáveis pelo covarde canhonaço d’água lançado contra as mestras. O mundo cairia abaixo: machista, sexista e outros adjetivos que tais. Seria o mínimo a se esperar. Vejamos o que outubro próximo nos reserva. 

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