Na sua capa, à guisa de epitáfio, a Folha (27/11)
ofereceu a Fidel Castro uma espécie de absolvição histórica: "A ditadura é
reconhecida por ter melhorado as condições de saúde e educação na ilha
caribenha".
O mito da ditadura benigna emergiu, em
formulações similares, nas declarações de FHC e José Serra, refletindo um
consenso dos que, ao menos, recusam-se a elogiar fuzilamentos sumários ou o
encarceramento de dissidentes.
Temo estragar a festa contando um
segredo de Polichinelo: a Cuba pré-castrista exibia indicadores de saúde e
educação tão notáveis quanto os atuais.
Fulgêncio Batista dominou a política
cubana durante um quarto de século, até a revolução de 1959. Em 1937, no seu
segundo ano de poder, instituiu o salário mínimo e a jornada de oito horas,
antes do Brasil (1940) e de qualquer país latino-americano. No início da
segunda década da "era Batista", em 1955, a taxa de mortalidade
infantil em Cuba (33,4 por mil) era a segunda menor na América Latina.
O embargo econômico dos EUA contra Batista (sim, Batista!) começou em 1957. Naquele ano, a taxa de mortalidade infantil cubana (32 por mil) estava entre as 13 mais baixas do mundo, perto da canadense (31) e menor que as da França (34), Alemanha (36) e Japão (40). Atualmente, segue baixa, mas já não está entre as 25 menores do mundo. No mesmo ano, Cuba aparecia como o país latino-americano com maior número de médicos per capita (um por 957) e a maior quantidade de calorias ingeridas por habitante (2.870).
Enquanto promovia centenas de execuções
sumárias, o regime castrista conduziu campanhas de alfabetização rural tão
inúteis quanto o Mobral de Emilio Médici. Como no Brasil, o analfabetismo
reduziu-se quase à insignificância pelo efeito inercial da universalização do
ensino básico. Mas Cuba partiu de patamar invejável: as taxas de alfabetização
de 1956, quando os guerrilheiros chegaram à Sierra Maestra, colocavam a ilha na
segunda posição na América Latina (76,4%), bem à frente da Colômbia (62%) e do
Brasil (49%).
Todas essas estatísticas estão na série
da anuários demográficos publicados pela ONU entre 1948 e 1959, hoje
disponíveis na internet. O jornalismo prefere ignorá-las, repercutindo a
cartilha de propaganda castrista.
Batista fugiu para a República
Dominicana no Ano Novo de 1959. Se, na época, a Folha aplicasse
o critério que usa para Fidel, teria escrito que a ditadura de Batista "é
reconhecida por ter melhorado as condições de saúde e educação na ilha
caribenha". Por sorte, não o fez: Cuba não foi salva por Fidel nem pelo
tirano que o precedeu.
Médicos cubanos realizaram a primeira
anestesia com éter em terras latino-americanas (1847), identificaram o agente
transmissor da febre amarela (1881) e inauguraram a pioneira máquina de raio-X
da América Latina (1907). Antes de Batista, em 1931, a taxa de mortalidade
geral cubana (10,2 por mil) era menor que a dos EUA (11,1).
Governos têm importância menor que a
"história profunda". Nos tempos coloniais, Cuba foi a "joia da
coroa" espanhola no Caribe, um dos mais dinâmicos centros
hispano-americanos, atraindo uma numerosa elite econômica e intelectual. A
excelente faculdade de Medicina de Havana, os hospitais e as escolas do país
nasceram no mesmo solo cosmopolita que produziu José Martí, apóstolo da
independência, a Constituição democrática de 1940 e o Partido Ortodoxo, berço
original do grupo revolucionário liderado por Fidel. Dia e noite já se sucediam
em Cuba antes do triunfo final da guerrilha castrista, na Batalha de Santa
Clara.
Frei Betto dirá que a presciente ONU
falsificou preventivamente as estatísticas colhidas na era pré-revolucionária
para presentear o imperialismo ianque com torpes argumentos anticastristas.
Apesar dele, os malditos anuários teimam em narrar uma história inconveniente.
Hasta siempre, Comandante!
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