quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Muita promessa e pouco atendimento (Dante, em A Divina Comédia)


Às vésperas de mais um processo eleitoral alcançando pouco mais de cinco milhares de municípios, renascem qual uma fênix degenerada as mesmas promessas de fazer e acontecer que há séculos marcam as disputas políticas. O "pérfido conselho" aludido por Dante - prometer muito e atender pouco - já fora apontado pelo genial florentino há oitocentos anos em sua Comédia. O Brasil, advirta-se, nem sonhava ainda em ser descoberto, vá lá a generosa imagem. 

Nos discursos de todos os candidatos a prefeito, em Belo Horizonte, para ficarmos num exemplo paroquial, os postulantes teimam, insistem, reiteram que pretendem "cuidar das pessoas" caso se elejam em outubro próximo.
Infantilizam assim os cidadãos num discurso vazio de significado. Quem cuida da gente são nossos pais e avós. 

Os dirigentes das cidades devem, isso sim, ser bons zeladores, como se fossem síndicos de um condomínio. Neste, os jardins (se houverem) precisam estar limpos e bem cuidados, bem como os corredores e outras áreas comuns. Não pode faltar água, nem luz, os elevadores deveriam funcionar, a portaria de entrada garantiria a segurança dos moradores e as principais decisões de interesse comum só seriam tomadas depois de submetidas a apreciação de assembleia dos condôminos. 

Soaria ridículo se um síndico qualquer alardeasse para os moradores estar "cuidando" deles como pessoas. Bullshit (bosta seca, literalmente), diriam os americanos com sua indisfarçável franqueza: conversa mole, conversa fiada, mentira, enganação em bom português.

Exemplo concreto pode ser visto nas calçadas por onde andamos pela cidade. Irregulares, maltratadas, esburacadas, atulhadas de lixo e de obstáculos permanentes trazem para os cidadãos uma imagem antecipada dos caminhos do inferno. Aos idosos, grávidas, cegos, obesos e cadeirantes só lhes resta disputar com os veículos motorizados um espaçozinho nas pistas de rolamento para eventual locomoção. É um insulto à inteligência ouvir as falas dos futuros prefeitos referindo-se à dita "mobilidade urbana". 

Entendem por isso, em geral, não mais que uma preocupação em asfaltar as ruas e avenidas, além dos horrendos viadutos que erguem pela cidade, isto quando as obras não desabam, conforme já se viu em inúmeros lugares. Esquecem-se os atuais e futuros prefeitos de que entre a moradia e o veículo de transporte coletivo há um percurso a fazer, não nas ruas, mas nos passeios. Da mesma forma como se dizia o poeta - a praça é do povo e o céu é do condor - nos dias que correm as ruas bem pavimentadas são dos veículos automotores, assim como os passeios intransitáveis são do povo.

Quem anda a pé sabe bem dos riscos que corre em sua vilegiatura. O passante, ou andarilho, move-se com um olhar atento voltado para o chão irregular e  para os gatunos estacionados nas esquinas, punguistas à espreita das vítimas, aos magotes, para, ao menor vacilo, atacar o incauto roubando-lhe celulares, cordões de ouro, carteiras e outros objetos. Não é mais um olho no gato e o outro no peixe. Agora é um olho nos buracos e o outro nos ladrões.

Um terceiro olho seria requerido para vigiar os pavorosos automóveis, ônibus e caminhões que circulam ameaçadores, em alta velocidade, fazendo da vida do pedestre indefeso algo tão sem valor quanto um papel de bala jogado ao chão.

Prefeitos, o povo não precisa de cuidadores. Quem necessita de cuidados são as vias públicas - ruas e passeios - além das instalações, equipamentos e servidores qualificados para atender às justas demandas que fazem os cidadãos.      

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