À primeira referência explícita da
oposição no horário eleitoral ao fim do governo Luiz Inácio da Silva -
"quando o Lula da Silva sair é o Zé que eu quero lá" - o presidente
tratou de reagir.
Mudou completamente a afirmação que vinha defendendo desde a reeleição,
em 2006, de que uma vez terminado o segundo mandato iria "assar uns
coelhinhos" em São Bernardo do Campo. Há menos de um mês ainda dizia que
iria ensinar a Fernando Henrique Cardoso como deve se comportar um
ex-presidente: "sem dar palpite" na vida de quem está governando.
Ontem Lula passou a dizer que vai percorrer o País dando palpites para
Dilma Rousseff quando vir "alguma coisa errada". Assegurou que terá
"papel ativo" no governo dela viajando o País inteiro para verificar
como andam as coisas.
Dando a entender que nem ao menos guardará a liturgia do cargo. Qualquer
coisa pega o telefone e diz: "Olha, minha filha, tem coisa errada. Pode
fazer o que eu não fiz." Pelo dito, vai inaugurar uma modalidade de
Presidência itinerante e a distância.
Quis informar ao público que votar em Dilma significa votar nele, que a
única diferença entre um governo e outro será o nome do titular do cargo. E
ainda assim de direito porque de fato o presidente será ele, Lula.
Quis aplicar um antídoto à ideia da retirada de cena, da descida de Lula
do pódio da política e da substituição de mandatário explicitada no refrão da
trilha sonora do programa de televisão de José Serra.
Para Dilma, Lula, o PT e o plano de uma continuidade por unção quase
divina é fundamental que o público não tome consciência da interrupção, não
consolide a noção de separação, de diferença. É crucial que o entendimento seja
o de que haverá apenas uma troca de nomes por exigência legal, algo próximo de
uma formalidade.
No programa eleitoral do PT no horário noturno esse imperativo ficou
evidente: em ritmo de Brasil grande, formato de superprodução e tom
institucional sem resquício de política, não houve referência ao ato eleitoral.
Ninguém pediu votos ou considerou a existência de uma disputa e de
concorrentes ao cargo. Passa por cima do eleitor, transpõe o obstáculo das
urnas como se no ano que vem fosse haver uma mera mudança de governante por
vontade e sob a bênção de Lula.
A campanha simplesmente desconhece a circunstância eleitoral: não pede
que Dilma seja eleita por isso ou por aquilo, não a compara com os concorrentes
de maneira a informar ao eleitor que se trata de alguém mais bem qualificado
que qualquer dos outros, nada.
Simplesmente põe Dilma Rousseff sentada na cadeira presidencial. No
encerramento a música corrobora o fato consumado: "Agora as mãos de uma
mulher vão nos conduzir/ eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir/ pois sei, o
meu povo ganhou uma mãe/ que tem um coração do Oiapoque ao Chuí."
O sujeito da oração, evidentemente é Lula, que os autores João Santana e
João Andrade transformam numa representação de Jesus Cristo - "deixo em
tuas mãos o meu povo" - com vocação autoritária - "mas só deixo
porque sei que vais continuar o que fiz".
E se não soubesse não deixaria? Não gostaria é a leitura subjacente.
Na realidade não poderia. Deixa porque a lei assim determina e a derrota
do governo na votação da CPMF no Senado em 2007 deu a Lula a exata noção da
impossibilidade de mudar a Constituição para obter a chance de disputar um
terceiro mandato.
Senado do qual não para de reclamar, dizendo que foi "injusto e
ofensivo" com o governo, e onde agora se esforça para formar maioria
servil ao projeto de hegemonia e eliminação paulatina do contraditório no
Brasil.
Nenhuma diferença em relação a oligarquias que dominam há décadas
territórios País afora e toda semelhança com coronéis do porte de José Sarney,
cujo empenho em inspirado dizer do senador Jarbas Vasconcelos sempre foi
transformar o Senado em um "grande Maranhão".
Nada que já não se
soubesse, embora não de maneira tão explícita e didática conforme foi mostrado
no horário eleitoral.
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