terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Os 100 anos de Ulisses (Sebastião Nery)

Numa era de políticos pusilânimes como atualmente, incapazes de entender o espírito da época e de tomar as decisões que precisam ser tomadas, é um refrigério relembrar o episódio comandado por Ulisses Guimarães (junto com Tancredo, Saturnino Braga, Freitas Nobre e outros), em comício do velho MDB, em Salvador, no ano de 1974, quando o povo rebelado derrotou pela primeira vez os generais autoritários. O mesmo clima daquele início dos anos 70, aliás, paira sobre o Brasil agora, como a antecipar a derrota do arrogante e corrupto governo do PT. A única diferença é que naqueles anos havia oposicionistas com coragem para peitar o governismo. Os ditos líderes da oposição brasileira não passam de coelhinhos trêmulos, com medo de cair na churrasqueira de Lula da Silva. Em vez de irem para as ruas liderar a população, como faziam Ulisses e Tancredo, escondem-se à beira mar no conforto de seus apartamentos.


Ulysses GUimarães enfrentando os cães da ditadura em Salvador


O relato abaixo é do jornalista Sebastião Nery, testemunha e partícipe do evento.
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"Ninguém me contou. Eu vi. Estava lá. Às 19  de um sábado, em 1978, no “hall” do Hotel Praia-Mar, em Salvador, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Roberto Saturnino e Freitas Nobre receberam a visita de toda a direção do MDB da Bahia com a notícia nervosa:
– A Polícia Militar havia cercado a praça do Campo Grande e comunicado oficialmente ao partido que não ia permitir a reunião para lançamento das candidaturas da Oposição da Bahia ao Senado.
– Isto é ilegal – disse Ulysses. – A portaria do Ministério da Justiça proíbe concentrações em praça pública, mas não em recinto fechado. A sede do partido é inviolável.
Ulysses esfregou as mãos na testa larga, desceu pelos olhos fechados, levantou-se:
– Vou entrar de qualquer jeito. Vamos entrar. É uma arbitrariedade sem limites.

A BATALHA

Em vários automóveis, saímos todos, políticos e jornalistas, com encontro marcado em frente ao Teatro Castro Alves, do outro lado da sede do MDB, no Campo Grande. Era um campo de batalha: 500 homens de fuzil com baioneta calada, 28 caminhões-transporte, dezenas de patrulhas, lança-chamas, grossas cordas amarradas nos coqueiros em torno da praça.
Ulysses desceu do carro, olhou, meditou, comandou:
– Vamos entrar na praça e no partido! Vamos rápido, sem conversar.
Avançou. Atrás dele, Tancredo, Saturnino e a mulher, Freitas Nobre, Rômulo Almeida, Newton Macedo Campos e Hermógenes Príncipe (os três candidatos do MDB ao Senado), deputados Nei Ferreira, Henrique Cardoso, Roque Aras, Clodoaldo Campos, Aristeu Nogueira, Tarsílo Vieira de Melo, Domingos Leonelli, vereador Marcello Cordeiro, Nestor Duarte Neto, eu e outros jornalistas. Uma cerca de fuzis e os soldados empertigados. Quando nos aproximamos, um oficial gritou:
– Parem! Parem!
Ulysses levantou os braços e gritou mais alto:
– Respeitem o presidente da Oposição!

Meteu a mão no cano de um fuzil, jogou para o lado, atravessou. Tancredo meteu o braço em outro, passou. O grupo foi em frente. Três imensos cães negros saltam sobre Ulysses, Freitas Nobre dá um ponta-pé na boca de um, Rômulo Almeida defende-se de outro. Chegamos todos à porta da sede do MDB, entramos aos tombos e solavancos. Ulysses sobe à janela, ligam os alto-falantes para a praça:
– Soldados da minha Pátria! Baioneta não é voto, boca de cachorro não é urna!
E os cabelos brancos se iluminavam como coqueiros ao vento.
Era o comício que não tinha sido planejado: 14 discursos e uma passeata. Graças à coragem, decisão e valentia de Ulysses".
(Meu prefácio ao livro de Ulysses Guimarães “Rompendo o Cerco” – 1978).

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