![]() |
Ulysses GUimarães enfrentando os cães
da ditadura em Salvador
|
O relato abaixo é do jornalista Sebastião Nery, testemunha e partícipe do evento.
.....................................................................
"Ninguém me contou.
Eu vi. Estava lá. Às 19 de um sábado, em 1978, no “hall” do Hotel
Praia-Mar, em Salvador, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Roberto Saturnino e
Freitas Nobre receberam a visita de toda a direção do MDB da Bahia com a
notícia nervosa:
– A Polícia Militar
havia cercado a praça do Campo Grande e comunicado oficialmente ao partido que
não ia permitir a reunião para lançamento das candidaturas da Oposição da Bahia
ao Senado.
– Isto é ilegal –
disse Ulysses. – A portaria do Ministério da Justiça proíbe concentrações em
praça pública, mas não em recinto fechado. A sede do partido é inviolável.
Ulysses esfregou as
mãos na testa larga, desceu pelos olhos fechados, levantou-se:
– Vou entrar de
qualquer jeito. Vamos entrar. É uma arbitrariedade sem limites.
A BATALHA
Em vários
automóveis, saímos todos, políticos e jornalistas, com encontro marcado em
frente ao Teatro Castro Alves, do outro lado da sede do MDB, no Campo Grande.
Era um campo de batalha: 500 homens de fuzil com baioneta calada, 28
caminhões-transporte, dezenas de patrulhas, lança-chamas, grossas cordas
amarradas nos coqueiros em torno da praça.
Ulysses desceu do
carro, olhou, meditou, comandou:
– Vamos entrar na
praça e no partido! Vamos rápido, sem conversar.
Avançou. Atrás
dele, Tancredo, Saturnino e a mulher, Freitas Nobre, Rômulo Almeida, Newton
Macedo Campos e Hermógenes Príncipe (os três candidatos do MDB ao Senado),
deputados Nei Ferreira, Henrique Cardoso, Roque Aras, Clodoaldo Campos, Aristeu
Nogueira, Tarsílo Vieira de Melo, Domingos Leonelli, vereador Marcello
Cordeiro, Nestor Duarte Neto, eu e outros jornalistas. Uma cerca de fuzis e os
soldados empertigados. Quando nos aproximamos, um oficial gritou:
– Parem! Parem!
Ulysses levantou os
braços e gritou mais alto:
– Respeitem o
presidente da Oposição!
Meteu a mão no cano
de um fuzil, jogou para o lado, atravessou. Tancredo meteu o braço em outro,
passou. O grupo foi em frente. Três imensos cães negros saltam sobre Ulysses,
Freitas Nobre dá um ponta-pé na boca de um, Rômulo Almeida defende-se de outro.
Chegamos todos à porta da sede do MDB, entramos aos tombos e solavancos.
Ulysses sobe à janela, ligam os alto-falantes para a praça:
– Soldados da minha
Pátria! Baioneta não é voto, boca de cachorro não é urna!
E os cabelos
brancos se iluminavam como coqueiros ao vento.
Era o comício que
não tinha sido planejado: 14 discursos e uma passeata. Graças à coragem,
decisão e valentia de Ulysses".
(Meu prefácio ao livro de
Ulysses Guimarães “Rompendo o Cerco” – 1978).
Nenhum comentário:
Postar um comentário