Até dá
para entender. Com tanto grampo e com tanta quebra de sigilo, é realmente
prudente que uma pessoa muito visada evite ter um celular normal, com nome e
número conhecidos por todo mundo. Sem contar o risco de ter vazada uma conversa
particular, tem o problema do assédio. Mas, especulemos: se um dos donos do
Sítio Santa Bárbara, de Atibaia, quiser saber se está tudo bem quando Lula
estiver lá num fim de semana, como faz?
Ou ainda, se um dos advogados
precisar checar uma informação urgente relativa às diversas investigações em
andamento? Poderiam ligar, já que a Oi instalou uma antena de celular bem ali
na entrada do sítio.
Mas não vai dar. O Instituto
Lula informa que o ex-presidente não usa celular. E como essa informação foi
dada quando jornais perguntaram se o ex-presidente tinha algo a dizer sobre a
tal antena da Oi, deve-se entender que a negativa tem sentido amplo. Algo
assim: ninguém ligado ao ex-presidente usa celular, nem ele, nem sua família,
nem seus assessores, nem ninguém que esteja trabalhando para ele. Isso quer
dizer que não usam também essas coisas de internet vinculadas ao celular, como
WhatsApp e mesmo e-mails.
Quer se comunicar? Tem que ir
pessoalmente. Vai daí, imaginem a situação da Oi ou de alguém por lá. Pois
alguém da empresa deu ordens para que a operadora instalasse uma antena ao lado
do sítio. Reparem: só a Oi colocou antena ali. Gastou dinheiro com isso:
aluguel do terreno, compra de equipamentos, colocação da torre, salários de
funcionários e vigias.
— E tudo isso pra quê,
idiota(s)? Não sabia(m) que Lula não usa celular?
Poderia ter ocorrido em algum
escritório da Oi, não poderia? O(s) cara(s) tentaria(m) se defender:
— Como a gente ia adivinhar?
— Você(s) não era(m) amigos
dele? — insistiriam.
Tudo considerado, se a Oi quis
fazer um favorzinho ao ex-presidente, gastou dinheiro por nada, tal é a
história. Parece absurda?
Pois tem mais. Uma dúvida aqui:
o Instituto Lula quis dizer que o ex-presidente, no sentido amplo, não usa
celular só quando vai a Atibaia ou em nenhum lugar, nem no apartamento em São
Bernardo, nem no escritório do instituto? Que não usa celular da Oi ou de
nenhuma operadora?
Seria realmente uma situação
inédita: um ex-presidente, da importância de Lula, incomunicável, de Atibaia ao
mundo.
Parece ridículo, não é mesmo? E é mesmo.
Então, por que estamos falando
disso? Porque revela um padrão de comportamento político que é uma combinação
de falta de respeito e incompetência.
Reparem: o sítio está lá; foi
reformado para a família Lula; as melhorias incluem a antena da Oi; a operadora
tem sociedade com um dos filhos de Lula; tem no seu controle acionário a OAS,
cujos funcionários andaram lá pelo sítio; a OAS está na Lava Jato; a antena
praticamente só dá sinal para o sítio; o ex-presidente foi lá mais de cem
vezes, com familiares e seguranças.
E daí?
Vem o Instituto Lula e diz que
o ex-presidente não usa celular.
Como podem ter pensado e, pior,
divulgado uma coisa tão falsa e tão ridícula? Capaz de ser coisa de advogado
à antiga, daquele tempo que se derrubava qualquer coisa nos tribunais com
qualquer filigrana, por mais ridícula que fosse. Tipo assim: Lula não usa
celular, não tem aparelhos registrados em seu nome, logo não pode ser
considerado beneficiário do favor da antena.
Os seguranças usam celular? Os
familiares?
Não interessa, não é do
ex-presidente. Só falta dizer que Lula nem
sabia que o pessoal usava celular.
Encontra-se esse tipo de coisa
em todas as investigações da Lava Jato ou ligadas a ela. Manobras para atrasar
os processos, tentativas de desclassificar as acusações (lembram-se do
mensalão? “Caixa dois não é crime”) e tentativas de excluir o acusado “que não
sabia de nada, nem assinou nada”.
Em boa hora, em momento crucial, Joaquim Barbosa trouxe a teoria do domínio do fato. Aplica-se aqui de novo: Lula podia não usar o celular, mas sabia quem usava e para quê.
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