Na quinta-feira 29 de outubro, em Brasília, onde assumiu a Presidência
de fato no segundo mandato de sua substituta conveniente e conivente, Dilma
Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva divertiu sua claque no Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores (PT) com as metáforas de hábito e a grosseria de
praxe. Nesse discurso, confessou que a afilhada praticara estelionato eleitoral
na campanha vitoriosa da reeleição em 2014. “Tivemos um problema político
sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos
que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”,
disse.
Na ocasião, proibiu investidas do PT contra o presidente da Câmara,
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tido como o maior desafeto de Dilma e do
partido. “Tudo o que interessa à oposição é que a gente arrume quinhentos
pretextos para discutir qualquer assunto e depois não discutir o que interessa,
que é aprovar o que a Dilma mandou para o Congresso Nacional. A não ser que
tenha alguém aqui que ache que isso não é importante. Primeiro, vamos tentar
derrubar o Eduardo Cunha, depois derrubar o impeachment e, depois, se der
certo, a gente vota nas coisas que a Dilma quer”, ironizou. E recuou das rudes
críticas que antes fazia ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Nunca antes em sua vida pública, desde que assumiu a presidência do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, em 1975, Lula foi tão
claro, estratégico e cuidadoso em qualquer discurso. Fez-se muito barulho em
relação ao reconhecimento do estelionato, crime definido no Código Penal. Com a
agravante de ter sido um estelionato que vitimou a Nação, em especial o
eleitorado que não anulou voto, votou em branco ou se absteve de votar e, em
particular, os brasileiros mais pobres e menos esclarecidos que acreditaram em
sua candidata. E daí?
Qualquer advogadinho do PT sabe e, na certa, lhe informou que estelionato
não basta para abrir processo de impeachment contra a presidente.
Além disso, Lula recebe de novo inestimável apoio de quem se apresenta à
cidadania como adversário. Há um vácuo jurídico na Constituição de 1988:
inexiste lei que regulamente o impedimento de presidente. O texto legal de
1950, aos 65 anos de vigência, serviu de base para levar Collor a renunciar.
Mas não é suficiente para depor Dilma de forma democrática. E é nesse argumento
incontestável que os dependentes da miríade de boquinhas do governo
lulodilmopetista se apoiam para chamar de “golpista” quem não suporta mais a
presidente (7 em 10 brasileiros). A Constituição vige há 27 anos, o oitavo
mandato presidencial está começando e nunca parlamentar algum cuidou desse
detalhe.
Este não é, definitivamente, um pormenor para a oposição, que não
encontrou até agora base jurídica séria para fazer o que a Nação quase inteira
exige: retirar a estelionatária de palanque do cargo poderoso do qual comanda
esta nossa marcha da insensatez para monumentais crises moral, econômica,
política e quase à beira de outra, a institucional. Lula sabia disso quando
confessou o delito da preposta. Os adversários, tudo indica, não.
Em relação à reeleição, recorde-se ainda que o líder do PSDB na Câmara,
Carlos Sampaio (SP), requereu recontagem dos votos para verificar se não houve
fraude na vitória da presidente sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) no
segundo turno do pleito de 2014. Qualquer usuário de computador em jardim de
infância sabe que, no sistema de coleta e contagem de votos no Brasil, recontar
votos é simplesmente impossível. Um ano depois, com a vencedora enredada em
outras suspeitas, Sua Excelência disse o que todos já sabiam: não dá para
recontar. Não contou, porém, por que, do alto de sua sapiência legislativa, não
empreendeu alguma lei que ao menos dificultasse as fraudes que qualquer hacker iniciante pode praticar no Brasil.
O pior é que, mesmo sem o haver dito explicitamente, o ex no poder
avalizou o mais asqueroso pacto de conivência criminosa de nossa História.
Nele, a primeira mandatária da República e o presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, dois degraus abaixo dela na escada sucessória,
achincalham as instituições garantindo um a impunidade da outra, e vice-versa.
Em sua frase aqui citada, Lula não precisou de nenhum argumento para mandar
seus asseclas evitarem incômodos a Cunha, fazendo ouvidos de mercador às
evidências que brotam no seu prontuário policial como capim em pasto farto. A
aceitação muda e mansa dos petistas à ordem do chefe, que, tal qual um Ulysses
Guimarães do século 21, passou a comandar o governo federal, o partido e a
oposição, é a maior prova de que apenas emudeceu o óbvio que, apud Nelson Rodrigues, ulula.
E se havia alguma dúvida de que o ex resolveu assumir, mantendo a
preposta como rainha da Inglaterra de plantão, esta foi dirimida por sua
guinada de 180 graus ao apoiar os ajustes e o ministro da Fazenda, Joaquim
Levy. O padim aceitou outro óbvio – de que a cabeça de Dilma está
sob a espada de Dâmocles, suspensa pelo fio do rabo de um cavalo.
O fio é dos bancos, que com a crise têm lucrado como nunca ninguém
lucrou. Nisso ele é craque: há 40 anos o clã Lula da Silva morava numa vila
operária e hoje se espalha em apartamentos de luxo, até na praia, mercê de sua
carreira de palestrante para empresas acusadas de delinquir – o que lhe
permitiu movimentar R$ 52,3 milhões em quatro anos, conforme o Coaf.
O descalabro de quatro desgovernos do PT, delatado nas Operações Lava
Jato e Zelotes e com 3 mil brasileiros perdendo o emprego todo dia, mostra que
o cavalo de cujo rabo pende a espada, e que Lula monta, após destruir tudo ao
redor – empresas, empregos, crédito de agências de risco, honra e pudor –, não
é de Átila, mas de Agamenon.
Pois, às portas de Troia, abertas com a conivência de adversários
néscios, ele planeja invadir-lhe as ruínas.
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