terça-feira, 17 de março de 2015

Dilma, a humilde

Em recente e momentosa entrevista (concedida com o propósito de refutar a gigantesca massa de gente que se levantou pelo Brasil afora contra ela, o PT e seu governo), dona Dilma envelopou sua iracunda catadura com o adocicado véu da humildade. No entanto, ainda pouco afeita aos gestos que marcam os primeiros passos para se chegar à sabedoria, a velha senhora, recém-convertida à humildade, tropeçou algumas vezes nas palavras. Compreensível. Neófitos em artes que lhes são por completo estranhas, quando tentam se exercitar gaguejam, tropeçam, contradizem-se com alguma frequência. 

Dona Dilma, doravante a mais humilde entre os dirigentes pátrios, se outorgou o admirável título, numa imitação barata de Stálin, através de um ucasse definitivo e irrevogável, ao estilo do Gosplan. A patacoada soaria como delírio inconsequente se não lembrasse as trapalhadas do Chaves, não o facinoroso venezuelano, mas o encantador personagem mexicano vivido por Roberto Bolaños.

Em um dos episódios da comédia infantil, o professor Girafales conversa com um lacrimejante Chaves num canto do pátio onde se desenrolam suas aventuras. O histriônico professor tenta consolar o Chaves (que se lamentava por um erro qualquer que havia cometido), coisa banal e sem maior importância, dizendo-lhe que todos erram alguma vez na vida. Chaves retruca perguntado então se ele – o sábio mestre – também já havia cometido algum erro. O professor Girafales, ao estilo premonitório de dona Dilma, foi definitivo: “sim, Chaves, eu também já errei; errei pensando que tinha errado”. 

Dona Dilma, a humilde, ao que parece, inspirou-se no burlesco professor Girafales para definir o novo papel que pretende desempenhar. Provavelmente a madame só se lembrou dele, muito popular desde os anos 70 do século passado. Outras referências não deveriam estar disponíveis para escolha, certamente por absoluto desconhecimento e impossibilidade histórica. Afinal, ela não teve muitas oportunidades de conviver com gente que não fosse arrogante, autoritária, totalitária e pernóstica. 

Se na juventude ela aprendeu a dialogar portando uma metralhadora, a compulsão à repetição (conforme alertava Freud), só poderia conduzi-la pelo trilho que construiu ao caminhar, distribuindo pontapés e pescoções a torto e a direito. Agora, dona Dilma proclama que está livre de repetir o hábito perverso: tornou-se humilde e ai dos que discordarem. Na referida entrevista, ponderou que ela talvez tenha se equivocado em alguma decisão de governo. Não no mérito, frisou, porém na dose e na extensão, como se fora uma homeopata distraída que se esqueceu de diluir suas beberagens, e apresentou ao doente o veneno em sua forma pura.

A história apresenta a dona Dilma uma surpreendente oportunidade de exercitar a força de sua humildade. Poderá renunciar, como Collor. Não precisa ir ao limite de uma solução ao estilo Vargas. O povo brasileiro é bom e generoso.

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