sábado, 24 de setembro de 2011

Liberdade de expressão na internet

(Retirado do blog do Ricardo Setti, em 24/09/2011)

Esse artigo foi escrito pelo meu amigo Reynaldo-BH, também blogueiro, experiente profissional do Direito e das Tecnologias da Informação. Ele argumenta que, embora o Código Penal seja dos anos quarenta (Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), os cybercriminosos podem perfeitamente ser levados à Justiça, ao contrário do que muitos pensam. Afinal sequer havia xerox naquela época. O que diria a web. Não é incomum que blogueiros recebam comentários ofensivos sob o manto do anonimato. Sabe-se, igualmente, da circulação e divulgação de mails ofensivos a pessoas, em verdadeiro "concurso de pessoas" na realização de crimes contra a honra. Talvez seja o momento de se começar a pensar em reações adequadas. Segue, abaixo, a íntegra do artigo onde o Reynaldo questiona a visão equivocada dos que pensam estar ao abrigo da legislação penal.

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“O Código Penal tipifica comportamentos e não meios de prática criminosa. Não cita, nos homicídios, qual arma é usada ou de que modo. O que vale é o conceito: “Matar alguém”, por exemplo. Os conceitos elencados pelo legislador de 1940 continuam atuais. E aplicáveis. O conceito de honra é o mesmo. A tipificação de calúnia ou ameaça, idem. Pouco importa o meio utilizado na prática delituosa.

Se em décadas passadas tais crimes aconteciam com cartas apócrifas e, depois, com telefonemas não identificados, hoje eles aumentaram exponencialmente com a falsa segurança que a Internet parece oferecer.

Falsa? Sim, bastante falsa.

Infelizmente para 90% dos casos – do uso correto deste novo meio tecnológico de interação social – a web é muito frágil. O que é potencialmente perigoso. Para os outros 10%, que utilizam a rede mundial para cometer crimes tipificados no Código Penal, a regra é a mesma. Se é possível acessar contas bancárias ou documentos sigilosos (e são crimes), o que dizer de conseguir endereço de alguém que necessariamente deixou rastros na web ao cometer crimes na expectativa de nunca ser descoberto? Anonimato e segurança na rede são conceitos frágeis.

Nada mais simples que, através de IP´s, trackers e identificação do hospedeiro, identificar autores de ameaças e ofensas. E isso, veja bem, agindo somente no terreno da legalidade, sem uso de instrumentos de hackers tão disseminados no mundo virtual. Com estes a tarefa é ainda mais simplificada.

Seria combater um crime com outro? Seria ético usar meios não legais (necessariamente não ilegais!), para combater autores de ameaças e calúnias?

Quem pratica estes crimes incorrem em diversos delitos: calúnia, injúria, ameaça e fraude. Ou seria o caso de combater um mal maior com o uso de outro mal menor? De defesa legítima frente a, por exemplo, ameaças?

A sensação que estes criminosos têm da impunidade é falsa e perigosamente demonstrativa de uma profunda ignorância técnica, só comparável à covardia moral que demonstram possuir. A Polícia de São Paulo possui uma Delegacia de Crimes Eletrônicos (Polícia Civil – 4ª Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos – DIG/DEIC – 4dp.dig.deic@policiacivil.sp.gov.br) que rapidamente chega a esses “ocultos” que se julgam intocáveis.

Através do IP – facilmente identificável – chega-se com precisão ao endereço da torre/antena utilizada quando do envio da mensagem/ameaça/crime. E mais: quem é o operador web, qual o responsável na empresa pelo serviço disponibilizado, qual o organismo nacional que controla aquele operador (empresas de telefonia ou qualquer outro ISP – Internet Service Provider, etc.), que caminho foi usado no envio, etc.

A mesma covardia que anima atentados terroristas alimenta os "ocultos" que se crêem no anonimato seguro. Esta crença é irreal. O mais importante é que QUALQUER operadora sabe quais usuários estavam ativos naquela antena/torre no exato momento do envio. Aqui já com precisão de endereço físico.

Volto a perguntar: não seria o caso de legítima defesa a utilização de meios não inteiramente lícitos para impedir um mal maior? Qual seja, a ameaça até à minha integridade física? Ou à minha honra? Quem poderia acusar-me de ser invasivo, ou um cracker, se utilizo conhecimentos, não para praticar um crime, mas sim para impedir a continuidade de crimes cometidos contra mim? Para além da questão legal coloca-se uma questão ética. É disto que vive o Estado de Direito. Em ambos os casos, a crença é irreal. Não se pode usar o anonimato na web para praticar crimes.

Quem usa apelidos e “mails fakes” (e que mesmo assim são facilmente identificados), tem medo. Medo das próprias idéias. Medo do argumento contrário. Medo de desagradar poderosos. E vergonha de si mesmo. Nisto estão certos.

A ninguém, na web, é exigido que se identifique. É opção pessoal. Mas a todos é proibido usar esse anonimato para praticar crimes. É obrigação coletiva.
Colunistas, jornalistas, blogueiros, e mesmo simples usuários que se manifestam em assuntos quaisquer, assumindo nomes reais, são as vítimas preferidas desses covardes nem tão anônimos.

E não são crianças ou adolescentes. Na totalidade, são adultos com comportamentos imorais e infantilizados. Que sentem prazer no cometimento da covardia. Podem arcar com as conseqüências jurídicas. Com a divulgação de seus nomes e endereços. Com penas e multas. Com interdição de uso de qualquer meio de acesso a Internet.

O jornalista Geneton Moraes Neto foi caluniado pelo Twitter e resolveu não se calar. Facilmente descobriu-se o autor da calúnia, que foi processado e condenado sumariamente. Não está longe o dia em que todos serão obrigados a acionar departamentos jurídicos de empresas, ou oferecer denúncias em delegacias especializadas. A mesma polícia que tem o Sistema Guardião, que faz triangulação de ERB´s (Estação Rádio Base de telefonia celular) já possui TODOS os mecanismos para chegar em horas a esses covardes que se acreditam anônimos, estejam onde estiverem. É pena. Um espaço democrático e de convivência, que permite o contraditório e o debate de idéias, pode vir a ser um terreno vigiado. Em nome da autopreservação.

A ignorância aliada à covardia, tendo como pano de fundo a própria vergonha de assumir posições pessoais, faz com que alguns imaginem ser a Internet terra de ninguém (apud Geneton Moraes Neto) ou território protegido.

Só a ignorância pode acreditar nisto. E por isso, eles acreditam.

Por quanto tempo?"

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