"Dilma e o PT vivem seu inferno astral. Enquanto em Brasília, em depoimento à CPI da Petrobrás, o delator Pedro Barusco desarmava a artimanha petista de transferir a responsabilidade pela corrupção na estatal para o governo de Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo funcionários dos estandes do 21.º Salão da Construção, no Anhembi - faxineiros, marceneiros, recepcionistas, assistentes administrativos, etc. - recebiam com estrepitosa vaia a presidente Dilma Rousseff, que antes da abertura do pavilhão de exposições ao público tentava percorrer os estandes da mostra e viu-se constrangida a mudar de ideia.
O episódio na Câmara frustrou as expectativas petistas de trazer a
oposição tucana para o centro do escândalo da Petrobrás e revelou a medida do
isolamento a que os companheiros de Lula no Congresso Nacional foram relegados
pelos próprios "aliados". Quando vazou o depoimento do ex-gerente da
petroleira, prestado à força-tarefa da Operação Lava Jato, em que admitiu que
desde 1997 - durante o governo FHC, portanto - recebera propina das
empreiteiras, o PT animou-se com a oportunidade de colocar em prática a velha
tática: quando não se consegue sair do buraco, atrai-se o inimigo para dentro
dele. Barusco manteve-se coerente com seu depoimento anterior, garantindo que
em 1997 agiu por conta própria e que o amplo esquema do propinoduto só foi
criado a partir do início do governo Lula, "em 2003 ou 2004".
Ninguém da "base aliada" se deu ao trabalho de dar uma ajuda
aos petistas, que chegaram quase à histeria na patética tentativa de convencer
Barusco a incriminar o governo FHC. Foi mais uma demonstração do alto preço que
o governo Dilma e o PT estão pagando por terem imaginado que, respaldados pelo
resultado das eleições presidenciais, poderiam tratar os partidos aliados como
subalternos a seu serviço.
As vaias do Anhembi, por sua vez, desmontaram o argumento petista de que
a oposição a Dilma Rousseff se restringe à "burguesia" e à
"classe média alta" - aos brasileiros ricos, enfim. A visita de Dilma
ao Salão da Construção foi planejada com cuidado, exatamente para evitar a
exposição da presidente a um público hostil em território francamente
antipetista. Para evitar contato com os visitantes, agendou-se a visita
presidencial para antes da abertura do pavilhão ao público.
Mas não contavam os especialistas do Planalto com a reação das centenas
de funcionários das empresas expositoras que já se encontravam no recinto. O
resultado foi que Dilma permaneceu apenas cerca de cinco minutos no local e foi
levada rapidamente de volta ao carro oficial, que a levou para o auditório onde
se realizaria, apenas para convidados, a solenidade de abertura oficial do
evento.
E depois de ter sido vaiada pelos empregados no pavilhão, a presidente
foi elogiada no auditório pelos patrões que se dispuseram a fazer declarações
aos jornalistas.
No discurso de meia hora que fez diante de um público que ocupava apenas
metade da plateia, Dilma fez uma pequena concessão à vida real, ao admitir que
"é verdade que o Brasil passa por um momento difícil", mas voltou
rapidamente a sua visão onírica do País para garantir que "nem de longe
vivemos uma crise das dimensões que alguns estão dizendo". E não se
estendeu sobre a gênese da crise, preferindo atribuí-la, como de hábito, a
circunstâncias "conjunturais".
O episódio do Anhembi deixou alarmada a equipe que acompanhava Dilma. O
ministro Thomas Traumann, chefe da Secretaria de Comunicação Social, não
disfarçou a irritação ao afirmar que Dilma tinha caído "numa
armadilha".
Se armadilha houve, a culpa é dos estrategistas do governo e do PT,
entre eles Lula e o marqueteiro João Santana, que recomendaram à presidente que
ativasse a agenda de compromissos fora do palácio e de Brasília, para
"entrar em contato" com o povo. Pelo jeito esse contato não voltará a
ser feito tão cedo em São Paulo.
Na reunião convocada às pressas para aquela noite em Brasília, com a
presença de Lula, chegou-se à conclusão de que o episódio do Anhembi foi um
fenômeno "paulista". É o novo rótulo inventado para desqualificar as
manifestações antigoverno e antipetistas, já que "burgueses" e
"classe média alta" não combinam com as fotos do Anhembi fartamente
estampadas na mídia".
(Publicado pelo Estadão, em 12/03/2015)
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