A cerimônia do beija-mão no tempo de Dom João: uma corte corrupta que vivia da troca de favores da monarquia
"A
presidente Dilma Roussef acaba de fazer uma declaração surpreendente a respeito
da história da corrupção no Brasil. Segundo ela, empreiteiras e políticos
flagrados na chamada Operação Lava Jato, da Polícia Federal, não teriam roubado
tanto dinheiro da Petrobrás se lá atrás, nos Anos 90, o governo Fernando
Henrique Cardoso tivesse iniciado investigações para apurar desvios na estatal.
No
entender da presidente, em vez de punir de forma exemplar as empresas
corruptoras, o melhor agora é fazer um acordo para que elas continuem
funcionando, de modo a preservar empregos e assegurar o crescimento da
economia. Em outra
palavras: para que revirar lama nova se já existe muito lodo depositado no
fundo deste vasto e escuro pântano chamado Brasil?
Eu tenho
uma proposta melhor: que tal investigar os casos de corrupção durante o governo
do rei Dom João VI no Brasil? Lá se vão mais de duzentos anos e, até agora,
ninguém foi punido. Mãos à obra, portanto. Hora de botar a Polícia Federal, o
Ministério Público, a Tribunal de Contas da União, a Advocacia Geral da União e
todos os demais recursos que o país tiver disponíveis para punir os corruptos
do Brasil Joanino. Evidências é que não faltam. As denúncias são tantas que
renderam dois capítulos inteiros no meu livro “1808”.
O regime
de toma-lá-dá-cá que se estabeleceu no Brasil depois da chegada da família real
de Dom João, em 1808, foi escabroso. Na opinião do historiador Manuel de
Oliveira Lima, os treze anos de permanência da corte portuguesa no Rio de
Janeiro foram um dos períodos de maior corrupção na história brasileira – com a ressalva de que Oliveira
Lima morreu há quase cem anos e não teve a oportunidade avaliar o que aconteceu
depois disso. “A corrupção medrava escandalosa e tanto contribuía para aumentar
as despesas, como contribuía o contrabando para diminuir as rendas”, escreveu o
historiador pernambucano.
Uma
herança da época de Dom João é a prática da “caixinha” nas concorrências e
pagamentos dos serviços públicos. Oliveira Lima, citando os relatos do inglês
Luccock, diz que cobrava-se uma comissão de 17% sobre todos os pagamentos ou
saques no tesouro público. Era uma forma de extorsão velada: se o interessado
não comparecesse com os 17%, os processos simplesmente paravam de andar.
No Rio de
Janeiro, a corte portuguesa estava organizada em seis grandes setores
administrativos – chamados de repartições. Os responsáveis por essas
repartições passariam para a história como símbolos de maracutaia e
enriquecimento ilícito. A área de compras e os estoques da casa real eram
administrados por Joaquim José de Azevedo. Bento Maria Targini comandava o
erário real. Os dois eram muito próximos de Dom João e Carlota Joaquina,
convivendo na intimidade da família real, o que lhes dava poder e influência
que iam muito além das suas atribuições normais. De seus departamentos saíam a
comida, o transporte, o conforto e todos os benefícios que sustentavam os
milhares de dependentes da Corte. Seus amigos tinham tudo. Seus inimigos, nada.
No
Brasil, Azevedo enriqueceu tão rapidamente e teve sua imagem de tal modo ligada
à roubalheira que no retorno de Dom João VI, em 1821, foi impedido de
desembarcar em Lisboa pelas cortes portuguesas. A proibição em nada perturbou
sua bem-sucedida carreira. Ao contrário. A família continuou enriquecendo e
prosperando depois da Independência. Em maio de 1823, a viajante inglesa Maria
Graham foi convidada para a noite do espetáculo de gala que celebraria a
primeira constituinte do Brasil independente. Ao chegar ao teatro, dirigiu-se
ao camarote da mulher de Azevedo, de quem era amiga, e surpreendeu-se com o que
viu.
A
anfitriã estava coberta com diamantes que, na estimativa de Graham, valeriam
cerca de 150 000 libras esterlinas, o equivalente hoje a 34 milhões de reais.
Segundo a inglesa, na ocasião a mulher também se vangloriou de ter deixado
guardado em casa outro tanto de jóias de igual valor.
De origem
italiana, Targini era de pobre e humilde. Entrou no serviço público como
guarda-livros, um trabalho menor na burocracia do governo da colônia. Como era
inteligente e disciplinado, virou escrevente do erário e logo chegou ao mais
alto cargo nesta repartição. Com a chegada da realeza ao Brasil, passou a
acumular poder e honrarias. Encarregado de administrar as finanças públicas, o
que incluía todos os contratos e pagamentos da Corte, enriqueceu rapidamente.
Também foi proibido de retornar a Portugal com D. João VI, mas continuou a
levar uma vida tranqüila e confortável no Brasil.
O poder
desses dois personagens, Azevedo e Targini, era tão grande que, em reconhecimento
aos seus serviços, durante o governo de Dom João VI ambos foram promovidos de
barão a visconde. O primeiro tornou-se o Visconde do Rio Seco. O segundo,
Visconde de São Lourenço. A promoção dos dois corruptos fez com que os
cariocas, fiéis a sua vocação de satirizar até suas próprias desgraças,
celebrizassem a roubalheira em versos populares:
“Quem
furta pouco é ladrão
Quem
furta muito é barão
Quem mais
furta e esconde
Passa de
barão a visconde”.
Fica
aqui, portanto, a minha sugestão: melhor deixar para lá os corruptos da
Operação Lava Jato e correr atrás dos larápios do Brasil Joanino.
Cadeia
neles!!!"
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