segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O AI-5 do Supremo

Os ministros do STF resolveram tutorar o parlamento, notadamente a Casa dos representantes do povo. Talvez o melhor verbo seja curatelar, em vez de tutorar. Assim posto, aquele bando de velhinhos senis, passa a receber uma adequada bengala jurídica e política para desempenharem a contento suas funções legislativas. O STF, como se não tivesse serviço a fazer, fica a gastar seu precioso tempo em gongóricas manifestações a respeito de assuntos próprios de parlamentares. Sentenças (eles chamam de votos) untuosas e algumas contaminadas de má fé, o que se pode constatar pelas citações incompletas de normas, deixando de lado a parte que não lhes convém, revelam o pouco apreço que os meritíssimos têm a respeito dos interesses populares. 

Contam-se aos milhares os processos acumulados nas gavetas de cada uma das Excelências. Mas isso não é importante. Importante é agir como Justo Veríssimo, criação imortal de Chico Anísio. Importante, sim, é se travestir de falso parlamentar, senador biônico, e, a partir daí, intervir no Congresso, decretando qual deva ser o modus operandi de uma instituição política pela própria natureza. Frente a tão acintosa menorização dos representantes dos brasileiros, cabe especular: qual seria a reação de gente como Ulisses Guimarães a tão inacreditável despropósito? 

A última presepada envolvendo o STF lembra o AI-5 de triste memória. Com efeito, o Supremo se postou qual o Gosplan da antiga União Soviética, que da mesma forma agia com seus ukasses definitivos. Até o centralismo democrático, criação leninista para permitir às cúpulas a imposição da vontade aos eventuais recalcitrantes, foi resgatada pelos doutos ministros. Não é despropósito tachar a Suprema Corte como um tribunal bolchevique, ou bolivariano, como está na moda dizer. 

O mais enervante de tudo é assistir e ouvir as perorações intermináveis daqueles que se julgam acima das leis. Interpretam como bem querem a letra da Constituição, esta jovem nascida em 1988, e já tantas vezes violada. Emendam, remendam e redefinem o significado de proposições de tal maneira que não se sabe sobre qual Constituição cada juiz está a se referir. De 1992 até a data presente, a Carta Magna foi alterada, em média, quatro vezes por ano. Parece um periódico trimestral. Isso sem falar nas inúmeras interpretações "conforme a Constituição" promovida pelos sábios, em complementação ao delírio permanente do poder Legislativo. Não se pense que é piada, mas há emendas constitucionais de emendas constitucionais. De qual Constituição, portanto, se está a falar, quando se propugna a supremacia da Constituição? 

Se há um modelo histórico que retrate o trabalho no STF, é aquele que vigeu em Bizâncio, onde ociosos teólogos ficavam a debater o sexo dos anjos em discussões inúteis e intermináveis. Alegam os bizantinos contemporâneos que a existência constitucional de princípios, garimpados avidamente após leitura hermenêutica, que eles deveriam ter força normativa e aplicação imediata. Arrancam-nos a fórceps e, em continuidade, constroem doutrinas e considerações últimas enfiadas goela abaixo dos cidadãos, como se estes fossem engaiolados gansos de ceva. 

Alguns ministros, e ministras, ainda poupam ao país a infelicidade de ouvir suas tacanhices recheadas de falta de imaginação. Do novato ao decano, entretanto, é a mesma empolação recoberta de rapapés mútuos, tornando sessões do Supremo um espetáculo deprimente de nefelibatas, ou de leguleios em férias, como dizia Getúlio Vargas. E ainda teremos que suportá-los por anos e anos a interferir na vida da Nação, sempre atentos aos rumos tomados pelos ventos do poder, bons homens de Estado que são, prontos para retrucar, céleres, ao primeiro pedido de socorro de sua majestade: "Aqui, d'el Rei"!

Nenhum comentário: