(Em homenagem a Joaquim Levy, o banqueiro do PT)
“Tínhamos acabado de jantar. Defronte de mim o meu
amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador
notável, fumava como quem não pensa. A conversa, que
amigo, o banqueiro, grande comerciante e açambarcador
notável, fumava como quem não pensa. A conversa, que
fora amortecendo, jazia morta entra nós. Procurei
reanimá-la,
ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela
meditação. Voltei-me para ele, sorrindo.
ao acaso, servindo-me de uma ideia que me passou pela
meditação. Voltei-me para ele, sorrindo.
- É verdade: disseram-me há dias que V. em tempos
foi anarquista...
foi anarquista...
- Fui, não: fui e sou. Não mudei a esse respeito. Sou
anarquista.
- Essa é boa! V. anarquista! Em que é que V. é
anarquista?...
Só se V. dá à palavra qualquer sentido diferente...
Só se V. dá à palavra qualquer sentido diferente...
- Do vulgar? Não; não dou. Emprego a palavra
no sentido vulgar.
no sentido vulgar.
- Quer V. dizer, então, que é anarquista exatamente no
mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das
organizações operárias? Então entre V. e esses tipos da
mesmo sentido em que são anarquistas esses tipos das
organizações operárias? Então entre V. e esses tipos da
bomba e dos sindicatos não há diferença nenhuma?
- Diferença, diferença, há... Evidentemente que há
diferença. Mas não é a que V. julga. V. duvida talvez que
as minhas teorias sociais sejam iguais às deles?...
diferença. Mas não é a que V. julga. V. duvida talvez que
as minhas teorias sociais sejam iguais às deles?...
- Ah, já percebo! V., quanto às teorias, é anarquista;
quanto à prática...
quanto à prática...
- Quanto à prática sou tão anarquista como quanto
às teorias. E quanto à prática sou mais, sou muito mais,
anarquista que esses tipos que V. citou. Toda a minha vida o mostra.
às teorias. E quanto à prática sou mais, sou muito mais,
anarquista que esses tipos que V. citou. Toda a minha vida o mostra.
- Hein?!
- Toda a minha vida o mostra, filho. V. é que nunca deu
a esta cousas uma atenção lúcida. Por isso lhe parece que
estou dizendo uma asneira, ou então estou brincando consigo.
a esta cousas uma atenção lúcida. Por isso lhe parece que
estou dizendo uma asneira, ou então estou brincando consigo.
- Ó homem, eu não percebo nada!... A não ser..., a não ser
que V. julgue a sua vida dissolvente e anti-social e
dê esse sentido ao anarquismo...
que V. julgue a sua vida dissolvente e anti-social e
dê esse sentido ao anarquismo...
- Já lhe disse que não - isto é, já lhe disse que
não dou à palavra anarquismo um sentido diferente do vulgar.
não dou à palavra anarquismo um sentido diferente do vulgar.
- Está bem... Continuo sem perceber... Ó homem,
V. quer-me dizer que não há diferença entre as suas
teorias verdadeiramente anarquistas e a prática da sua
vida - a prática da sua vida como ela é agora? V. quer
que eu acredite que V. tem uma vida exatamente igual à
dos tipos que vulgarmente são anarquistas?
V. quer-me dizer que não há diferença entre as suas
teorias verdadeiramente anarquistas e a prática da sua
vida - a prática da sua vida como ela é agora? V. quer
que eu acredite que V. tem uma vida exatamente igual à
dos tipos que vulgarmente são anarquistas?
- Não; não é isso. O que eu quero dizer é que entre as
minhas
teorias e a prática da minha vida não há divergência nenhuma,
mas uma conformidade absoluta. Lá que não tenho uma vida
como a dos tipo dos sindicatos e das bombas - isso é verdade.
Mas é a vida deles que está fora do anarquismo, fora dos
ideais deles. A minha não. Em mim - sim, em mim, banqueiro,
grande comerciante, açambarcador se V. quiser -, em mim
teorias e a prática da minha vida não há divergência nenhuma,
mas uma conformidade absoluta. Lá que não tenho uma vida
como a dos tipo dos sindicatos e das bombas - isso é verdade.
Mas é a vida deles que está fora do anarquismo, fora dos
ideais deles. A minha não. Em mim - sim, em mim, banqueiro,
grande comerciante, açambarcador se V. quiser -, em mim
a teoria e a prática do anarquismo estão conjuntas e
ambas certas. V. comparou-me a esses parvos dos sindicatos e
das bombas para indicar que sou diferente deles. Sou, mas a
diferença é esta: eles (sim, eles e não eu) são anarquistas
só na teoria; eu sou-o na teoria e na prática. Eles são anarquistas
e estúpidos, eu anarquista e inteligente. Isto é, meu velho, eu
é que sou o verdadeiro anarquista. Eles - os dos sindicatos e
das bombas (eu também lá estive e saí de lá exatamente
pelo meu verdadeiro anarquismo) - eles são o lixo do
anarquismo, os fêmeas da grande doutrina libertária.
ambas certas. V. comparou-me a esses parvos dos sindicatos e
das bombas para indicar que sou diferente deles. Sou, mas a
diferença é esta: eles (sim, eles e não eu) são anarquistas
só na teoria; eu sou-o na teoria e na prática. Eles são anarquistas
e estúpidos, eu anarquista e inteligente. Isto é, meu velho, eu
é que sou o verdadeiro anarquista. Eles - os dos sindicatos e
das bombas (eu também lá estive e saí de lá exatamente
pelo meu verdadeiro anarquismo) - eles são o lixo do
anarquismo, os fêmeas da grande doutrina libertária.
- Essa nem ao diabo a ouviram! Isso é espantoso! Mas como
concilia V. a sua vida - quero dizer a sua vida bancária e
comercial - com as teorias anarquistas? Como o concilia V.,
se diz que por teoria anarquista entende exatamente o que
os anarquistas vulgares entendem? E V., ainda por cima,
me diz que é diferente deles por ser mais anarquista do
que eles - não é verdade?
concilia V. a sua vida - quero dizer a sua vida bancária e
comercial - com as teorias anarquistas? Como o concilia V.,
se diz que por teoria anarquista entende exatamente o que
os anarquistas vulgares entendem? E V., ainda por cima,
me diz que é diferente deles por ser mais anarquista do
que eles - não é verdade?
- Exatamente.
- Não percebo nada.
- Mas V. tem empenho em perceber?
- Todo o empenho.
Ele tirou da boca o
charuto, que se apagara; reacendeu-o
lentamente; tirou o fósforo que se extinguia; depô-lo ao
de leve no cinzeiro; depois, erguendo a cabeça,
um momento abaixada, disse:
lentamente; tirou o fósforo que se extinguia; depô-lo ao
de leve no cinzeiro; depois, erguendo a cabeça,
um momento abaixada, disse:
- ....”
(O texto genial de Pessoa continua no mesmo ritmo. A obra
está disponível na internet em http://www.cfh.ufsc.br/~magno/bancanarco.htm)
Nenhum comentário:
Postar um comentário