(Publicado em O Globo)
"Todo mundo já viu
essa cena. Nos filmes policiais, as evidências de um crime são acondicionadas
num saquinho plástico, mais tarde etiquetadas e usadas como prova. Como
advogado da UTC, pedi para colocar num saquinho o comunicado 0743/2014, enviado
pela Petrobras no final do ano passado a 23 empresas, informando-as que
estariam impedidas de trabalhar para a estatal. O texto é uma confissão de
culpa. Daí o saquinho.
Até sua expedição, os
integrantes do Ministério Público poderiam ficar inseguros para abandonar a
tese infundada de que as construtoras controlavam o mercado de óleo e gás, por
meio de um suposto “clube”. Agora não mais. Em 28 linhas, a Petrobras produziu
a prova que faltava para que os procuradores percebam que, no setor sob
investigação, quem manda é a Petrobras. Se existe um clube, a sua coordenação
está com a estatal. Quem mais conseguiria expulsar 23 empresas do mercado numa
única canetada? Só quem realmente detém todas as informações e controla o
mercado.
Existem pessoas que
acreditam que mandam, porém, das suas ordens nada resulta. Outras mandam e suas
determinações se materializam. A Petrobras está no segundo grupo. Neste caso
específico, alvo das investigações e das manchetes diárias, a Petrobras, e só
ela, definiu as regras de contratação, com ou sem a concordância do Tribunal de
Contas da União.
Além de definir o
regime de contratação mais conveniente para seus propósitos, a Petrobras
selecionava as empresas que iriam fazer parte de seus projetos, cadastrando
quem bem entendesse (com a mesma sem-cerimônia que agora descadastrou).
Convidou para disputar suas obras as empresas que julgou adequadas e contratou,
entre essas, as que entendeu ser mais acertado. O critério, só ela sabe
explicar.
É a Petrobras — e não
um fantasioso “clube” — que detém as informações sobre todos os certames, quem
deveria ser convidado, o orçamento (secreto) estimado, quais participaram e
quais foram as respectivas vencedoras e efetivas contratadas.
No comunicado
0743/2014, a estatal diz, resumidamente, o seguinte: “Comunicamos que, em
função de essa empresa ter sido mencionada como participante de cartel nas
contratações da Petrobras (...) estamos adotando, desde já, cautelarmente, a
medida de bloqueio dessa empresa, tornando-a impedida de ser contratada
diretamente e de participar de licitações da Petrobras”.
Ora, se houve cartel,
como a Petrobras assume em seu comunicado, o principal responsável seria
justamente a Petrobras. É ela o agente econômico por trás de todas as decisões
tomadas para “manobrar” o mercado (deixando-se de lado a denominação
juridico-econômica desta realidade). Não lhe cabe, de maneira alguma, o papel
de vítima que agora tenta assumir como forma de se proteger de futuras ações na
Justiça.
As obras eram
definidas de maneira colegiada (pela Petrobras), os resultados da licitação
eram compartilhados com toda a diretoria (da estatal), da mesma maneira que os
aditivos jamais seriam liberados pelo desejo de um funcionário “manipulado pelo
clube”. Esta decisão envolvia toda a Petrobras. A prova 0743/2014 é decisiva.
Em função das
realidades do funcionamento do mercado de petróleo, é risível a tese de que as
empresas fornecedoras de serviços seriam capazes de se organizar para impor
preços ao cliente. Essa imposição seria teoricamente possível num mercado com
poucos fornecedores e muitos clientes. Num segmento onde a Petrobras é a única
grande compradora de serviços, não há formas de sujeitá-la ao controle dos
fornecedores. Qualquer tentativa de algumas empresas de elevar preços ou
combinar seria imediatamente frustrada pela proposta de um fornecedor que não
integrasse o “clube” (seja ele do Brasil, seja ele do exterior). Bastaria à
inocente e “vítima” Petrobras contratá-lo, desmontando o suposto cartel.
O contrário, no
entanto, não apenas é possível, como ocorreu e é comprovado pelo comunicado
0743/2014. A Petrobras mandava em tudo, controlando quem trabalha e quem já não
mais trabalha para ela (as 23 empresas). E continua a mandar. A prova material
que faltava já está no saquinho".
Sebastião Tojal é
advogado
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