Não há como não se espantar com
situações onde a vida imita a arte. Monteiro Lobato, tão censurado por
energúmenos esquerdistas, tinha tal peculiar capacidade de escrever, ao contrário
de romancistas tradicionais. Sua prosa parece antecipar os fatos históricos e,
não, o sucedê-los. Veja-se, por exemplo, o incrível e profético “O presidente
negro ou o choque das raças”, publicado décadas antes da posse do presidente
Obama, nos Estados Unidos.
O caso, agora, do enrolado ministro, e
presidente do STF, faz lembrar, e muito, o delicioso “causo” do marido da
professora, do conto O Chupim, obra prima de sátira aos costumes do engenhoso
paulista, conterrâneo por acaso do espertíssimo ministro, teúdo e manteúdo da diligente patroa.
A revista digital Crusoé afirmou que
o ministro Dias Tóffoli recebe uma mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a
advogada Roberta Maria Rangel. Os repasses, segundo a reportagem, saem de uma
conta de Roberta no banco Itaú com destino a outra mantida em nome do casal no
banco Mercantil do Brasil.
Os repasses, de acordo com a
publicação, foram realizados ao menos desde 2015 e somam R$ 4,5 milhões. Dos R$
100 mil mensais depositados pela mulher de Toffoli, diz a revista, metade (R$
50 mil) é transferida para a ex-mulher do ministro, Mônica Ortega, e o restante
é utilizado para custear suas despesas pessoais. Nada de comparável com a avareza de dona Zenóbia, que controlava até os míseros ceitis com os quais o maridão do conto de Lobato comprava um eventual maço de cigarros, vício deplorável, segundo a professora. Ainda de acordo com a reportagem, a
conta é operada por um funcionário do gabinete de Tóffoli.
A revista revela que, em 2015, a área
técnica do Mercantil encontrou indícios de lavagem de dinheiro nas transações
efetuadas na conta do ministro, mas a diretoria do banco ordenou que as
informações não fossem encaminhadas para o Coaf, órgão de inteligência
financeira do Brasil. Todos os bancos são obrigados a comunicar ao Coaf
transações suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro Dias Tóffoli,no entanto,
não se manifestou sobre o caso. Essa é a parte do mundo real. A parte artística,
imaginosa, se for possível assim dizer, vem no relato abaixo
O romance do chupim
Monteiro Lobato
Ouvíamos no cine a música precursora da
primeira fita, quando entrou na sala um curioso casal. Ela, feiarona, na idade
em que a natureza começa a recolher uma a uma todas as graças da mocidade, como
a lavadeira recolhe as roupas do varal. Tirara-lhe já a frescura da pele e o
viço da cor, deixando-lhe em troca as sardas e os primeiros pés de galinha.
Tirara-lhe também os flexuosos meneios de corpo, a garridice amável, os tiques
todos que, somados, formam essa teia de sedução feminina onde se enreda o homem
para proveito multiplicativo da espécie. Quase gorda, as linhas do rosto
entravam a perder-se num empaste balofo. Certa pinta da face, mimo que aos
dezoito anos inspiraria sonetos, virara verruga, com um sórdido fio de cabelo
no píncaro. No nariz amarelecido o pince-nez clássico da
professora que se preza. Em matéria de vestuário, suas roupas escuriças, mais
atentas à comodidade do que à elegância, denunciavam a transição do “moda” para
“fora da moda”.
Ele, bem mais moço, tinha um ar vexado
e submisso de “coisa humana”, em singular contraste com o ar mandão da
companheira. O estranho do casal residia sobretudo nisso, no ar de cada um,
senhoril do lado fraco, servil do lado forte. Inquilino e senhorio; quem manda
e quem obedece; quem dá e quem recebe. Ela falava do alto; ele ouvia de baixo e
mansinho; caso evidente em que cantava a galinha e o galo chocava os pintos.
Meu amigo apontou o homem com o beiço e
murmurou:
— Um chupim.
— Chupim? — repeti interrogativamente,
estranhando a palavra que ouvia pela primeira vez.
— Quer dizer, marido de
professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o
passarinho-preto que vive à custa do tico-tico. Conheces?
Lembrei-me da cena tão comum em nossos
campos do tico-tico a pajear um graúdo filho de chupim, e pus-me a observar o
casal com maior interesse, mormente depois de começada a fita, relíssima
salgalhada francesa. Já eles não tiravam os olhos da tela, salvo o marido, que
para melhor ouvir algum comentário da esposa não se limitava a dar-lhe ouvidos,
dava-lhe olhos também.
— Os chupins — prosseguiu o meu
cicerone — são homens falhos, ratés da virilidade — a moral, está claro, que a
outra lhes é indispensável para o bom desempenho do cargo.
— Cargo?
— Cargo, sim. Eles desempenham o cargo
importantíssimo de maridos. Em troca as esposas ganham-lhes a vida e dirigem os
negócios do casal, desempenhando todos os papéis normalmente atribuídos aos
machos. Tais mulheres apenas fazem aos maridos a concessão suprema de
engravidarem por obra e graça deles, já que é impossível a revogação de certas
leis naturais.
“Quando a mulher vai à escola, fica o
chupim em casa cocando os filhos, arrumando a sala ou mexendo a marmelada. Há
sempre para eles uma recomendaçãozinha à hora da saída para a aula.
“— As vidraças da frente estão muito
feias. Você hoje, quando as Moreiras saírem, passe um pano com gesso. (As
Moreiras são as vizinhas da frente.)
“O chupim acostuma-se à submissão e
acaba usando em casa as saias velhas da mulher, para economia de calças.”
— Para aí, homem de Deus! Do contrário
acabas contando a história de um que chegou a dar à luz um crianço!...
A fita chegara ao fim. Surgiu o galo
vermelho da Pathé, que boleou o pescoço num coricocó mudo e sumiu-se para dar
lugar ao reacender das lâmpadas.
A mulher ergueu-se, espanejou-se e
saiu, seguida do chupim solícito. Acompanhamo-los de perto, estudando o caso, e
na rua, depois que os perdemos de vista, o meu amigo retomou o assunto.
— Em matéria de chupins conheço um caso
interessante. Que segui desde os primórdios.
“Eduardinho Tavares, filho de tio e
sobrinha, nascera sem tara aparente, a não ser extrema dubiedade de caráter,
uma timidez de menina do tempo em que a timidez nas meninas era moda. Espécie
de criatura intermediária entre os dois sexos.
“Em criança brincava de boneca, de
preferência às nossas touradas, ao jogo dos ‘caviúnas’, ao ‘pegador’. Em
meninote, enquanto os da sua idade descadeiravam gatos pela rua, lia Paulo
e Virgínia à sombra das mangueiras, chorando sentidas lágrimas nos lances
lacrimogêneos.
Fomos colegas de escola, e lembro-me
que um dia lá nos apareceu Eduardo com um pagagaio de miçanga verde, obra sua.
Eu, estouvado de marca, ri-me daquilo e escangalhei com a prenda, enquanto o
maricas, abrindo uma bocarra de urutau, rompia num choro descompassado, como
choram mulheres. Irritado, dei-lhe valentes cachações. Eduardo não reagiu;
acovardou-se, humilhou-se, feito o meu carneirinho. Só procurava a mim dentre
cem companheiros. Acamaradamo-nos daí por diante, o que não me impediu de o
fazer armazém de pancadas. Por qualquer coisinha, uma cacholeta. Ele ria-se,
meigo, e cada vez mais me rentava. Pus-lhe o apelido de Maricota. Não se
zangou, gostou até, confessando achar mais graça nesse nome do que no seu.
“Hoje eu estudaria esse tipo à luz de
Freud, como caso deveras notável; naquele tempo feliz de sadia ingenuidade
limitava-me a tirar partido da sua submissão, transformando-o em peteca, em
escravo, em coisa de que a gente põe e dispõe.
“Saídos do colégio continuamos camaradas,
de modo que pude acompanhá-lo por um bom pedaço da vida afora. Nunca perdeu a
timidez donzelesca. Fugia às meninas, sobretudo se eram românticas, ou
acentuadamente mulheris — o meu gênero.
“Fez-se misógino.
“Por essas alturas casei-me — casei-me
com a moça mais feminina da época, uma romântica escapulida a Escrich, dessas
que têm medo às baratas e caem de fanico se um rato lhes corre pela sala — o
meu gênero, enfim.
“Eduardo permaneceu solteiro, sempre às
sopas do pai, até que este morreu e lhe deixou de herança uns prédios, mais uns
títulos. Sem tino comercial, passaram-lhe a perna, comeram-lhe casas e
apólices; quando o pobre rapaz abriu os olhos estava a nenhum. Recorrendo a mim
para um bom conselho de arrumação de vida, vi que não dava para coisa nenhuma —
e receitei-lhe a professora.
“— Casa-te. Incapaz de ação como és,
tua saída única se resume em tirar partido da tua qualidade de macho. Casa com
moça rica, ou, então, com mulher trabalhadeira.
“Nada valeu o conselho. Eduardo não
tinha jeito para requestar mãos femininas, quer bem aneladas, quer muito
calejadas. Embaraçava-o a irredutível timidez.
“Mas o diabo as arma.
“Um belo dia apareceu na terra uma
professora nova, mais ou menos ao molde desta de há pouco. Tipo de mulheraça
máscula, angulosa, ar enérgico, autoritária. Gostava de discutir política,
entendia de cavalos, lia jornais, tinha ideias sobre a seca do Ceará e o
saneamento dos sertões. Apesar de bem conservada, andava perto dos quarenta,
não fazendo nenhum mistério disso. Se não se casara até então, não é que fosse
infensa ao matrimônio: não achara ainda o seu tipo de homem, dizia.
“Pois não é que o raio da pedagoga vê
Eduardo e se engraça dele? Examina-o fulminantemente, como quem examina um
cavalo; mira-o de alto a baixo, interpela-o, dá-lhe balanço às ideias e aos
sentimentos, pesa-lhe o valor monetário, pede-lhe, ou, antes, toma-lhe a mão,
leva-o à igreja e casa-o consigo.
“Foi um relâmpago tudo aquilo. Em três
tempos namorado, noivado, casado e metido no gineceu, o pobre moço, quando
abriu os olhos, estava chupim para todo o sempre.
“Dona Zenóbia sabia avir-se com a vida.
Ganhava-a folgadamente. Além da escola particular que dirigia, tinha a juros um
pequeno capital que não cessava de crescer, colocado a quatro ou cinco por
cento ao mês, sob garantias de toda ordem. Casada, continuou à testa dos
negócios; o marido, se aparecia nominalmente nalguma transação, era proforma.
“Encaramujado em casa da professora,
Eduardinho foi sonegado ao mundo e o mundo acabou esquecendo Eduardinho. Nunca
mais o viram na rua, ou nas festas, sem ser pelo braço da mulher, na atitude
encolhida daquele chupim do cinema.
“Um filho nasceu-lhes nesse entretempo,
e começa aqui o mais engraçado da comédia.
“A tantas, dona Zenóbia deu de gabar as
qualidades artísticas do esposo.
Eduardo era um grande talento
literário, capaz de obras deveras notáveis.
“— Vocês — dizia ela às professoras do
colégio — não sabem que tesouro perderam. Eduardo saiu-me uma verdadeira
revelação. É dessas criaturas privilegiadas que possuem o dom divino da arte,
mas que às vezes passam a vida inteira sem se revelarem a si próprias. Aqueles
seus modos, aquela timidez: gênio puro, minhas amigas! Vocês hão de vê-lo um
dia aparecer qual meteoro, alcançar a glória e cair como um bólide dentro da
Academia. Está escrevendo um romance que é um suquinho! Lindo, lindo!...
“Esse romance levou meses a compor-se.
Todos os dias, no quarto de hora de folga que juntava as professoras na saleta
de espera, dona Zenóbia vinha com notícias da obra.
“— Está ficando que dá gosto! O
capítulo acabado esta manhã parece uma coisa do outro mundo!
“E desfiava o enredo. Era o caso dum
moço loucamente apaixonado por uma donzela de cabelos loiros e olhos azuis. A
primeira parte do romance ia toda na pintura desse amor, lindo como não havia
outro, puro poema em prosa. E dona Zenóbia revirava os olhos, em êxtase.
“As outras professoras acabaram por
interessar-se a fundo pelo romance de Eduardo — Núpcias fatais —,
o qual virara folhetim vocalizado aos pedacinhos, dia a dia, pela pitoresca
dona Zenóbia.
“A notícia correu pela cidade e isso
acabou reabilitando Eduardo da sua fama de Zé-faz-formas, pax-vóbis e
mais apelidos deprimentes de que é fértil o povo.
“— Como a gente se engana! — diziam; —
Parecia uma lesma de pernas, ninguém dava nada por ele e no entanto é um
romancista!...
“As professoras davam à trela e o
enredo das Núpcias fatais corria de boca em boca pela cidade,
os lances de efeito gabados, com citação das melhores tiradas. O
Popular, noticiando o aniversário do moço, consagrou-o — ‘festejado homem
de letras’.
“Dona Zenóbia sabia dosar a narração de
modo a manter as professoras suspensas nos lances mais comoventes. Houve um
trecho que as pôs pálidas de espanto. Era assim: Lúcia fora pedida pelo rival
de Lauro, o galã infeliz. O pai de Lúcia e toda a família queriam o casamento,
porque o monstro era riquíssimo, tinha casa em Paris, iate de recreio e um
título de conde prometido pelo papa. Já o triste do Lauro, coitado, para cúmulo
de desgraça, perdera uma demanda e estava mais pobre que Jó. As cartas em que
ele contava isso a Lúcia eram de chorar! Todos contra o mísero e tudo a favor
do monstro...
“O pai fizera uma cena horrível.
“— Antes ver-te morta do que ligada a
esse miserável... poeta!
“E a coitadinha, alanceada no mais
dolorido do coração, doida de amor, chorava noite e dia, encerrada no fundo de
escura cela.
“— Pobre mártir! — exclamavam com um nó
na garganta as compassivas professoras. — Por que não há de sair a sorte grande
para um desditoso destes? Peça ao seu marido, dona Zenóbia, que lhe faça sair a
sorte, sim?
“— Não pode. Prejudicaria o desfecho e,
ademais, não é estético — respondeu preciosamente dona Zenóbia.
“E assim corria o tempo.
“O romance era à moda antiga, em vários
volumes, sistema Rocambole. Já tinha acontecido o diabo. A moça
fugira de casa, raptada em noite de tempestade pelo cavaleiro gentil; mas o
dinheiro do monstro vencia tudo: foram presos e encarcerados, ela num convento,
ele num calabouço infecto.
“Mas quem pode vencer o amor? O
cavaleiro conseguira, iludindo os guardas, abrir um subterrâneo que ia ter ao
convento. Que tarefa ingente! Como as professoras deliraram acompanhando a obra
desesperada do homem - toupeira, a escavar com as unhas em sangue a terra fria!
“Venceu, porém; alcançou o pavimento da
cela onde Lúcia chorava de amor e conseguiu falar-lhe. Que lance este, quando
Lúcia percebe o estranho murmúrio da voz subterrânea que a chamava! Era a
redenção, afinal!
“Entendem-se e combinam a fuga. Um
barqueiro esperá-los-ia em tal lugar, à meia-noite etc. etc.
“Dona Zenóbia parava nos trechos mais
empolgantes, deixando a assembleia ora em lágrimas, ora em arroubos de
indizível êxtase. Às vezes, quando estava de saia preta, em seus dias de
azedume, não adiantava a novela um passo sequer.
“— Hoje, descanso. Eduardo está com um
pouco de dor de cabeça e não escreveu uma linha...
“As professoras ficavam pensativas...
“Chegou por fim o dia da fuga, ponto
culminante da obra. Dona Zenóbia, perita na arte de armar efeitos, anunciou-o
de véspera.
“— É amanhã o grande dia!
“— Mas escapam, dona Zenóbia? — indagou
uma torturada do romantismo, com a mão no seio palpitante.
“— Não sei...
“— Pelo amor de Deus, dona Zenóbia! Eu
não posso mais! Se o monstro ganha a partida ainda esta vez, diga logo, porque
eu tiro umas férias e vou para a roça esquecer este maldito romance que já me
está deixando histérica.
“— Paciência, filha! Como posso saber o
que lá se passa na imaginação do artista?
“— Mas peça a ele, peça por nós todas,
que desta vez não deixe os espiões do monstro descobrirem os fugitivos. Pelo
menos agora. Mais tarde vá, mas agora eles precisam de uns meses de recompensa.
Arre, que também é demais!...
“No dia seguinte dona Zenóbia apareceu
sorridente. As professoras em ânsias, ao vê-la assim, criaram alma nova.
“— Então? — exclamaram palpitantes.
“Dona Zenóbia fez um muxoxo.
“— Esperem lá. A coisa não vai a matar.
Eduardo neste momento atinge o ponto culminante da obra. Deixei-o com o olhar
em fogo — o fogo da inspiração! —, os cabelos revoltos, a cabeça febril. É o
momento supremo do fiat! Toda obra depende deste fecho de
abóbada. Como a solução do caso vem das profundas do subconsciente estético, e
ainda não viera até a hora de eu sair, pedi-lhe que me comunicasse o resultado
pelo telefone. Esperemos...
“As moças puseram os olhos no céu e as
mãos no peito.
“— Meu Deus! — disse uma. — Estou com o
coração aos pinotes! Se Lauro é preso, se os emboscados o matam... O monstro é
capaz de tudo!
“Nisto vibrou a campainha do telefone.
Dona Zenóbia piscou para as amigas estarrecidas e foi atender.
“Ficaram todas no ar, imóveis, trocando
olhares de interrogação, enquanto no compartimento vizinho dona Zenóbia
conversava com o grande artista.
“— Ele não para de chorar, Zenóbia. A
meu ver é cólica o que ele tem. Desde que você saiu que é um berro só. Já fiz
tudo, dei chá de erva-doce, dei banho quente — nada! Berra que nem um bezerro!
“— Você já cantou o Guarani?
“— Cantei tudo, o Guarani, o ‘Tutu já
lá vem’, o ‘Somos da pátria a guarda’... Mas é pior.
“— Deu camomila?
“— A camomila acabou. Quis mandar a
negrinha buscar um pacote na botica, mas não achei o dinheiro...
“— Lerdo! E aqueles dois mil-réis de
ontem? Não sobrou metade? “— É que... é que comprei um maço de cigarros...
“— Sempre o maldito vício! Olhe, atrás
do espelho, perto da saboneteira azul, está uma pratinha de quinhentos. Mande
buscar a camomila, mas no Ferreira, que a do Brandão não presta, é falsificada.
Ferva uma pitada numa xícara d’água e dê às colherinhas. Dê também um clister
de polvilho. Mudou os paninhos?
“— Três vezes, já.
“— Verde?
“— Verde carregado, como espinafre.
“— Bem. Eu hoje volto mais cedo. Faça o
que eu disse, e fique com ele na rede. Cante a ária da Mignon, mas
não berre como daquela vez, que assusta o menino. Em surdina ouviu? Olhe: ponha
já as fraldas sujas na barrela. Escute: veja se tem água no bebedouro dos
pintos. A marmelada? Ora bolas! Deixe isso para amanhã. Bom, até logo!
“Dona Zenóbia largou o fone e voltou às
companheiras, que continuavam suspensas.
“— Estes artistas!... — começou ela. —
Que é que vocês pensam que Lauro fez?
“— Fugiu! — disse uma.
“— Deixou-se prender! — aventou outra.
“— Suicidou-se! — declarou a terceira.
“— Ninguém adivinha. Lauro rompeu o
pavimento, entrou na cela e depois de uma grande cena resolveu fazer-se
frade!...
“Foi um oh! geral de desapontamento.
Aquele fim imprevisto decepcionara a todas. Protestaram, e dona Zenóbia,
condoída, voltou atrás.
“— Estou brincando. Eduardo está hoje
com uma dor de cabeça danada e eu o aconselhei a descansar um bocadinho. Ficou
para outro dia o fim. Esperemos.
“O romance do chupim tem hoje onze
anos. Já é menino de escola. Chama-se Lauro e, para reabilitação do sexo
barbado, puxou o caráter da mãe.”
(Pesquisa e
adequação ortográfica: Iba Mendes)