(Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO de 22 Novembro de 2014)
"Extraordinário é o momento histórico que estamos
vivendo com o implacável desenrolar da Operação Lava Jato, que tem exibido a
fratura exposta da corrupção no seio do poder público em concurso com
empreiteiras e fornecedoras, por meio da mãe de todas as virtudes - a
Petrobrás. Essas medidas muito se assemelham às da Operação Mãos Limpas,
realizada na Itália nos anos 90 do século passado, que dizimou, mediante o
instrumento da delação premiada, núcleos seculares da máfia incrustados no
governo, no Legislativo e no Judiciário, a ponto do seu primeiro-ministro,
muito prestigiado na Europa, Giulio Andreotti - até ele - ter-se envolvido por
décadas com a Cosa Nostra.
Entre nós, essa torrente de "malfeitos"
que somam, mediante superfaturamento, dezenas de bilhões de reais provocam
manobras diversionistas do governo, das empreiteiras implicadas e da própria
Petrobrás, tentando, todas elas, evitar a aplicação da Lei Anticorrupção, que
entrou em vigor em fins de janeiro deste ano.
A propósito, as empreiteiras estão dizendo que a
Lei Anticorrupção não está em vigor, por faltar a sua regulamentação. Trata-se
de uma falácia, pois o seu artigo 31 determina: "Esta Lei entrara em vigor
180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação" - que se deu em
1.º de agosto de 2013. Portanto, está vigendo desde 1.º de fevereiro do
corrente ano de 2014. A regulamentação restringe-se a um simples parágrafo do
artigo 7.º, que trata de critérios a serem estabelecidos pela
Controladoria-Geral da União (CGU) que poderão ser adotadas pelas empresas que
quiserem instituir o regime de compliance, que não é obrigatório e apenas serve
para, eventualmente, atenuar as penas advindas do processo
penal-administrativo.
Outro argumento é que a Lei Anticorrupção não seria
aplicável à Petrobrás e às empreiteiras envolvidas, pois a sua vigência é
posterior aos fatos levantados na Operação Lava Jato. Nada mais enganoso. Os
contratos firmados com a estatal estão em plena vigência e execução e são eles
o instrumento utilizado para a prática do delito de corrupção, ao longo do
tempo, na medida em que não foram, em nenhum momento, cancelados ou mesmo
suspensos, apesar das recomendações veementes do Tribunal de Contas da União
(TCU).
Da parte do governo temos declaração do
vice-presidente da República, do presidente do Tribunal de Contas e do líder
parlamentar do PT, que em seminário recente, afirmaram não poderem a Petrobrás,
as empreiteiras e as fornecedoras ser processadas pela Lei Anticorrupção porque
se não o País para (sic). Tais declarações desses ilustres próceres ensejam
desde logo crime de responsabilidade, pois incitam a prevaricação dos agentes
públicos encarregados de instaurar os processos administrativos contra as
empresas superfaturadoras e a estatal, sob a alegação que são elas grandes
demais para ser imputadas. Pasmem!
Não obstante tais "recomendações", devem,
imediatamente, a CGU e o TCU requisitar cópia integral dos autos ao juízo
federal do Paraná - como já o fez e obteve a própria Petrobrás - para, logo em
seguida, se instaurarem os processos penal-administrativos contra as pessoas
jurídicas implicadas.
Nesses processos administrativos, as empreiteiras e
as fornecedoras vão se apresentar como vítimas... de si mesmas. Isso porque o
monstruoso produto dos superfaturamentos resultantes dos contratos e aditivos
fraudados são por elas embolsados, restando para os parlamentares, partidos,
membros do Executivo, diretores da estatal e intermediários uma parte desse
mega-assalto aos cofres públicos, via estatal. Anote-se que as propinas pagas
aos múltiplos beneficiários do crime saíram diretamente dos cofres das
empreiteiras e das fornecedoras.
Cabe à CGU, na pessoa de seu ministro-chefe,
instaurar os processos administrativos contra as empreiteiras e as
fornecedoras, que, de acordo com a Lei Anticorrupção, respondem autonomamente
pelos delitos corruptivos, independentemente das pessoas físicas envolvidas na
operação criminosa. São elas que usufruem a quase totalidade desse mesmo
superfaturamento e pagam, de seu caixa, as propinas. E o crime de corrupção
caracteriza-se pelos contratos fraudados em pleno vigor e execução, estando,
por isso, plenamente abrangidos pela Lei Anticorrupção.
Quanto à Petrobrás, compete a abertura do processo
penal-administrativo ao TCU, por sua Secretaria de Controle Externo de Estatais
(SCEE), à qual cabem as representações necessárias à imputação dos delitos de
corrupção praticados pelas empresas controladas pelo governo. São, portanto,
esses dois órgãos da administração federal que deverão, agora, processar as
empresas corruptoras e a Petrobrás. Esta última é que fez e faz a triangulação
do sistema de corrupção: superfatura os contratos, paga esse superfaturamento
às empreiteiras e fornecedoras e estas repassam uma parte do produto do butim
aos políticos, aos partidos, aos intermediários e aos diretores da outrora
respeitável estatal.
Se a CGU e a SCEE do Tribunal de Contas fizerem
corpo mole e não ingressarem - como sugerem o vice-presidente, o presidente do
próprio TCU e o líder do PT - com as ações penal-administrativas contra a
Petrobrás e as pessoas jurídicas empreiteiras e fornecedoras, serão processados
criminal, administrativa e civilmente na pessoa de seus titulares - o
ministro-chefe da CGU e o presidente do TCU, conforme estabelece a própria Lei
Anticorrupção.
Nessa hipótese de prevaricação instigada, caberá -
sempre conforme a Lei Anticorrupção - ao Ministério Público, por delegação
legal, assumir o processo penal-administrativo contra a estatal e a grande
"famiglia", simpaticamente chamada de "clube" por seus
"capi-regimes".
............................................................................
O autor é jurista e autor, dentre outros, do livro "CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI
ANTICORRUPÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS", editado pela Ed. Revista dos Tribunais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário