Por seu conhecido
currículo, o senador Renan Calheiros não deveria ter sido eleito presidente do
Senado. Na verdade, o interesse público aconselharia que o povo alagoano não o
tivesse reeleito senador. O reconhecimento de que Renan não faz bem à vida pública
nacional não modifica, no entanto, a inconveniência, a imprudência e a
destemperança da decisão liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal
Federal (STF), de afastar o senador do exercício da presidência da Casa. Por
todos os ângulos que se vê, a decisão do ministro Marco Aurélio causa profunda
estranheza.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma
excepcionalíssima interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo para
que seja feita liminarmente por um único ministro. Criou ele um conflito entre
Poderes – ou ele esperava que o Senado recebesse passivamente a deposição de
seu presidente? – que só desestabiliza ainda mais a já atribulada política
nacional e perturba os combalidos meios de produção. E para quê?
Haja pressa para justificar uma decisão liminar
desse teor. É difícil de explicar tamanho açodamento frente ao tempo que o
próprio STF levou para decidir sobre o inquérito envolvendo Renan Calheiros.
Foram nove anos de indecisão, nos quais a Corte mais parecia um gato a brincar
com um novelo de linha de lã, num tempo absurdo para decidir sobre o destino de
qualquer pessoa – nem se fale de uma investigação com tamanha repercussão sobre
a vida institucional brasileira.
Além de interferir indevidamente no Legislativo, a
decisão de Marco Aurélio é uma intervenção extemporânea no próprio STF, pois
havia ato anterior, do ministro Dias Toffoli, a recomendar espera sobre a
matéria. Trata-se de uma decisão que pode ser modificada pelo plenário da
Corte.
No mesmo dia em que Marco Aurélio gerava enorme
imbróglio jurídico, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reafirmava a
responsabilidade da Justiça como pacificadora dos conflitos e da sociedade.
“Como não há paz sem justiça, o que se busca é exatamente que atuemos no
sentido de uma pacificação num momento particularmente grave, porque aqui, como
em outros lugares, nós somos servidores públicos diretamente responsáveis por
resolver conflitos que estejam nos processos”, disse Cármen Lúcia. Um pouco
mais de consenso, por parte dos membros do mesmo tribunal, sobre o papel do
Judiciário contribuiria para a credibilidade da instituição.
Como se não bastassem os inúmeros aspectos
negativos da decisão de Marco Aurélio, ela de pouco serve para a finalidade
pretendida – ou declarada. Os supostos efeitos moralizadores de afastar da
linha sucessória presidencial uma pessoa que é ré em processo penal tendem a
zero, já que a Renan sobravam pouco mais de 15 dias na presidência do Senado –
e com uma pauta legislativa já conhecida.
Logicamente, a decisão de Marco Aurélio foi
aplaudida por quem, sem maiores compromissos com o interesse do País, deseja
simplesmente travar a agenda de reformas do atual governo. A quem só consegue
ver a realidade com as lentes da irresponsabilidade é bom lembrar que o
presidente do Senado tem poderes limitados. Prova disso é a recente decisão do
plenário, que barrou, por 44 votos contra 14, a manobra de Renan de tentar
aprovar requerimento de urgência urgentíssima para o pacote das medidas
anticorrupção. Trata-se de um alerta a quem queira tirar indevido proveito da
desastrada liminar de Marco Aurélio. Sempre – e especialmente num cenário de
crise econômica – brincar com a pauta do Senado é brincar com o futuro do País
e o bem-estar dos brasileiros.
Tamanho foi o açodamento de sua decisão que o
próprio ministro parece ter-se dado conta de que foi longe demais no exercício
monocrático de suas competências. Ontem, ele submeteu em caráter de urgência
sua decisão a referendo do plenário do STF. Melhor assim, ainda que esse
lampejo de prudência não afaste os efeitos deletérios da liminar que concedeu.
Que a triste passagem
de Renan pela presidência do Senado, ainda sem desfecho conhecido, possa ao
menos somar à experiência vivida pela Câmara com o caso de Eduardo Cunha e
fomente nos parlamentares um pouco mais de responsabilidade na hora de escolher
quem presidirá a respectiva Casa legislativa. O que seria desnecessário, é
claro, se o eleitor só votasse em candidato honesto.
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