Eça de Queiroz foi um notável criador de tipos. Ainda
hoje podemos vê-los a andar por aí como se a realidade fosse um decalque da
fantasia. Em O Conde de Abranhos,
livro infelizmente inacabado, o genial autor português nos brinda com
personagens e cenas que parecem ser uma descrição da atualidade política brasileira.
O Conselheiro Gama Torres, por exemplo, faz lembrar, e muito, o atual ministro
da educação do governo de dona Dilma. Se aos monólogos do Conselheiro fosse
acrescentada a questão Ética, a similitude ficaria mais evidente. Segue abaixo
trecho com a narração de Zagalo, o secretário do Conde, vazada na peculiar
sintaxe do autor:
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“- Os fundadores da Bandeira Nacional, moços ambiciosos que rondavam em torno das Repartições do Estado – tinham achado um patrono num homem político que é uma alta figura em relevo na história Constitucional, o Conselheiro Gama Torres. A proteção que dava porém à Bandeira este homem notável era, como me dizia finamente o Conde de Abranhos, platônica, toda platônica. Não lhe dava dinheiro – porque chefe de família entendia com justiça, que a política não deve sorver fortunas, mas produzi-las. Não dava também ideias, porque, apesar da sua alta ilustração, que o tornara um dos grandes contemporâneos, a sua prudência, a sua reserva eram tais, que raras vezes, se lhe tinha ouvido uma opinião nítida: sabia-se que aquela fronte um pouco calva, de cantoneiras largas estava cheia de ideias: mas conservava-as como um tesouro escondido; - era por assim dizer um avaro intelectual: a sua ideia era para si; no silêncio do seu gabinete agitava-as, como o Pai Grandet, o seu ouro, regalando-se do seu brilho e da sua sonoridade: mas se alguém entrava, aferrolhava à pressa tudo, no cofre do cérebro – e a sua larga testa, de cantoneiras altas, não oferecia mais que uma fachada impenetrável, e monumental que impressionava a todos e não utilizava a ninguém. Era alto, encorpado, e os seus olhos azulados, e redondos, tinham uma singular falta de expressão e de intenção. Mas, todos sabiam, que por trás um mundo de ideias fermentava.
“- Os fundadores da Bandeira Nacional, moços ambiciosos que rondavam em torno das Repartições do Estado – tinham achado um patrono num homem político que é uma alta figura em relevo na história Constitucional, o Conselheiro Gama Torres. A proteção que dava porém à Bandeira este homem notável era, como me dizia finamente o Conde de Abranhos, platônica, toda platônica. Não lhe dava dinheiro – porque chefe de família entendia com justiça, que a política não deve sorver fortunas, mas produzi-las. Não dava também ideias, porque, apesar da sua alta ilustração, que o tornara um dos grandes contemporâneos, a sua prudência, a sua reserva eram tais, que raras vezes, se lhe tinha ouvido uma opinião nítida: sabia-se que aquela fronte um pouco calva, de cantoneiras largas estava cheia de ideias: mas conservava-as como um tesouro escondido; - era por assim dizer um avaro intelectual: a sua ideia era para si; no silêncio do seu gabinete agitava-as, como o Pai Grandet, o seu ouro, regalando-se do seu brilho e da sua sonoridade: mas se alguém entrava, aferrolhava à pressa tudo, no cofre do cérebro – e a sua larga testa, de cantoneiras altas, não oferecia mais que uma fachada impenetrável, e monumental que impressionava a todos e não utilizava a ninguém. Era alto, encorpado, e os seus olhos azulados, e redondos, tinham uma singular falta de expressão e de intenção. Mas, todos sabiam, que por trás um mundo de ideias fermentava.
- É singular
quantos homens públicos, do nosso país, têm esta aparência parada, vazia, vaga,
abstrata, sonâmbula: e todavia, eu que pelo Conde fui admitido a conhecê-los,
sei quanto gênio habita, em segredo, naqueles cérebros calvos ou cabeludos, a
que os superficiais, não lhes conhecendo as secretas riquezas, acham uma
aparência alvar. É que nós somos uma raça reservada, inimiga da ostentação, da
atitude – e ao inverso, os franceses que mal têm um fragmento de talento,
tratam de trabalhar, empreender, agitar – nós com vastidões de gênio no
interior, desprezamos estas demonstrações vaidosas, e guardamos para nós mesmos
as nossas riquezas intelectuais, sem mesmo absolutamente as mostrar ao sol.
Assim fazem os árabes que cercam os seus jardins deliciosos, e as suas
habitações douradas, de um muro escuro de lama e pedra, de modo que se julga
ver uma cabana onde realmente existe um Alhambra! Mas não somos de gênio árabe?
Por isso o Conselheiro Gama Torres nunca se dignou fazer à Bandeira Nacional a esmola de uma ideia. Mas deu-lhe a proteção do
seu nome; dizia-se a Bandeira é do
Gama Torres, e isto trazia ao jornal uma autoridade imprevista. Muitas vezes,
segundo me contou o Conde, durante os meses de estio em que a política, refugiada
na sombra das quintas ou nas praias, dormita, - o redator da Bandeira, sem assunto para o seu artigo
de fundo, recorria ao gênio do Conselheiro, como um pobre envergonhado. Gama
Torres porém colocando-se no meio da casa, com as pernas separadas, o ventre
saliente, as mãos atrás das costas, fitava o soalho, bamboleava o seu crânio
fecundo, e murmurava, arregalando:
- Ele há muitas questões!...
Há questões terríveis. Há a prostituição... o pauperismo. Ele há muitas
questões...
- Mas, repito-o,
era um avaro e ruim, para a esmola de uma ideia. Eu censuro que era sabido que
ele dava o seu tempo às grandes questões sociais. Elas preocupavam-no tanto que
era usual, sempre que diante dele se falava de questões políticas, - ou nos
corredores da Câmara ou no Conselho, - ouvi-lo murmurar soturnamente com a voz
dum homem que sabe o segredo dos destinos sociais – pois que o sabe, essa reta
inteligência:
- Ele há
questões! Muito terríveis... O Pauperismo, a prostituição. São grandes
questões... Mas há questões terríveis.
- Elas pareciam
com efeito terríveis, de uma tenebrosidade de abismo – quando se via o olhar
esgazeado com que ele parecia mentalmente contempla-las.
- Eu, pouco
antes da sua morte, vi-o um dia, à noite, em casa do Conde, num dia de crise
ministerial, e nunca esquecerei a terrível impressão que deixou aquele grande
homem, de pé no meio da sala, esgazeando o olhar em redor, e dizendo cavamente:
- Os senhores
podem crê-lo, nem tudo é chalaça; ele há questões terríveis... A prostituição,
o pauperismo, o ultramontanismo. Questões terríveis“.
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- QUEIROZ, Eça. O Conde de Abranhos. Rio de Janeiro:
Editora Nova Aguilar, 1997. Obras completas, II volume.
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