"Para
o francês Christian Stoffaës, membro do Ministério de Economia da França e
professor de economia internacional na Universidade de Paris, o desenvolvimento
da indústria de energia renovável e o consequente barateamento dos recursos
sustentáveis serão pontos essenciais para que os países cumpram as metas de
diminuição de emissões de gases de efeito estufa a serem estabelecidas na
Cúpula do Clima de Paris, que acontece em dezembro deste ano. A expectativa é
que, no fim da conferência, os 195 países da ONU assinem um acordo que vai
substituir o defasado Procotolo de Quioto, de 1997, até hoje base para a
implementação de leis sustentáveis.
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Na última Cúpula do Clima, que aconteceu em Lima,
no Peru, no fim do ano passado, surgiram críticas que apontaram a lentidão das
negociações entre governos. O que podemos esperar de Paris?
Até
dezembro, os diplomatas continuarão negociando para encontrar um consenso
mínimo sobre o acordo. Nos últimos quinze anos (que seguiram o Protocolo de Quioto) esse processo foi prejudicado pelo fato de os
Estados Unidos não terem ratificado o documento e por países participantes,
como o Canadá e a Austrália, terem desistido de suas metas no meio do caminho.
É importante lembrar que nessa COP as vozes a serem ouvidas não são só a dos
diplomatas, mas também a de representantes da sociedade civil, da indústria e
de ONGs. A expectativa é que haja 45 000 pessoas em Paris, e só o fato de tanta
gente se encontrar para debater essas questões já é algo importante. Gera mais
pressão para que se apresente um resultado satisfatório, o que certamente irá
acontecer, mas nós ainda não sabemos como esse documento será. Se as conversas
relativas a corte de emissões não evoluírem, é importante achar outras vias de
negociação.
Quais seriam essas outras vias?
Acho
que um bom exemplo é a COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009. No evento,
a posição defensiva dos Estados Unidos impediu qualquer possibilidade de avanço
nas negociações de redução de emissões, então foi preciso encontrar outra forma
de ajudar os países em desenvolvimento a lidar com as mudanças climáticas. O
resultado foi a criação do Fundo Verde do Clima, que é basicamente o
comprometimento dos países desenvolvidos em transferir 100 bilhões de dólares
por ano às nações em desenvolvimento, mais vulneráveis economicamente, para
lidar com as mudanças climáticas. Mesmo hoje, um dos focos da negociação ainda
é esse, porque 100 bilhões de dólares não é uma quantia fácil de encontrar.
Alguns países já se comprometeram, mas ainda é difícil. A negociação para um
novo Protocolo de Quioto não será fácil, mas temos que construir esse consenso.
Quais serão os maiores obstáculos para se chegar ao
consenso?
Existe
uma coalizão entre os países desenvolvidos e, do lado oposto, outra entre as
nações em desenvolvimento. O Protocolo de Quioto estabeleceu que apenas os
primeiros deveriam se comprometer com reduções absolutas de emissões. A posição
dos países desenvolvidos é de que a concentração de dióxido de carbono na
atmosfera não é de responsabilidade exclusiva deles e que, portanto, eles não
merecem ser prejudicados, por também terem direito a investirem no próprio
desenvolvimento, o que pode ocasionar no aumento das emissões de CO2. É um
argumento forte, mas se quisermos um acordo, é preciso que os países se
comprometam. De qualquer forma, apesar desses acordos exigirem que os países
estabeleçam metas, não há nenhuma penalidade caso eles não as cumpram. Em
resumo, o grande obstáculo a ser superado é o da conciliação entre o grupo dos
desenvolvidos com o dos em desenvolvimento.
Esse é um embate presente nas conferências há algum
tempo, e a impressão que ficou de Lima é que nenhum dos dois lados está
disposto a ceder. Há solução?
Esse
é o trabalho dos diplomatas. As negociações são sigilosas, eu não sei
exatamente o que está acontecendo, mas tenho certeza que estão trabalhando duro
nisso. Quanto ao embate entre os dois lados, o papel das Nações Unidas é
defender a unanimidade, ou seja, um acordo só passa se for aprovado por todos.
Se a regra fosse da maioria, seria mais simples: os países em desenvolvimento,
que representam cerca de dois terços do total da ONU, seriam beneficiados; mas
isso negaria todo o processo diplomático da ONU.
Há risco de que, depois de tanta negociação, o
acordo de Paris caia na irrelevância ao não ser ratificado pelos países mais
poluidores, como aconteceu com Quioto?
Eu
estava presente na COP-97, onde foi assinado o Protocolo. Al Gore veio à
conferência com um mandato do presidente Bill Clinton. O vice-presidente assinou
o documento, mas quando voltou para os EUA o senado o bloqueou. Poucas pessoas
sabem disso, mas naquela época o senado americano votou uma resolução chamada
Byrd-Hagel, que diz que os EUA nunca vão assinar um acordo de políticas
climáticas em que não haja um comprometimento dos países em desenvolvimento
equivalentes àqueles assumidos pelos desenvolvidos. Essa questão ainda não foi
resolvida, porém, é preciso ser otimista. Temos que lembrar que muita coisa
mudou desde 1997. O maior exemplo talvez seja o surgimento da indústria de
energia renovável, que teve um desenvolvimento espetacular nos últimos dez
anos, em consequência das negociações climáticas.
É certo deduzir que as energias renováveis só se
popularizarão quando forem mais vantajosas economicamente do que as fontes
fósseis?
Sim,
mas hoje as renováveis não estão tão longe da competitividade econômica. É
impressionante ver como o preço dos painéis solares caiu muito em pouco tempo,
e isso é mais um resultado das negociações climáticas. Acordos como o de China
e EUA (que se comprometeram a cortar significativamente as emissões de CO2 até
2030) só foram firmados porque hoje existem fontes alternativas viáveis, que
permitem que os países assumam compromissos mais ambiciosos. Além disso, é
preciso lembrar que o petróleo e o gás são finitos. A indústria finalmente
percebeu a necessidade de encontrar substitutos para eles, e agora a competição
está entre as renováveis e a energia nuclear.
O preço baixo do petróleo pode prejudicar a
popularização das renováveis ou mesmo as negociações climáticas?
O
preço do petróleo tem muita influência, claro. Nos últimos meses, o preço caiu
espetacularmente, pela metade. Nós veremos os efeitos disso em Paris, e ainda
não há como prever com precisão os resultados. Mas é importante ressaltar que o
consumo de carvão também aumentou na última década, apesar das negociações. E
como o carvão ainda é a fonte de energia mais barata, geralmente é a melhor
solução para os países em desenvolvimento que têm dificuldade em responder à demanda
energética interna sem ter de apelar aos poluentes.
Se a energia renovável se tornar mais econômica,
podemos admitir que mais pessoas optarão por elas. Mas isso não faria com que o
preço dos combustíveis fósseis também caíssem, como efeito da lei de oferta e
procura?
Uma
das opções é o uso de subsídios. A expansão das renováveis nas últimas duas
décadas foi intensamente subsidiada, especialmente pela Tarifa Prêmio (Feed-in,
em inglês), um mecanismo de promoção eficiente. Essa tarifa, desenvolvida pela
Alemanha, estabelece que produtores de energia renovável possam vender a
energia produzida para agências elétricas por um preço fixo, o que é vantajoso.
Outra estratégia seria a taxação global dos combustíveis fósseis. As
negociações devem avançar nesse sentido também.
Você citou o acordo bilateral entre China e Estados
Unidos, apresentado em setembro do ano passado. Será que esses acordos menores
não são mais eficientes em fazer com que países estabeleçam metas do que as
negociações globais?
De
fato é mais fácil ter comprometimentos individuais em acordos bilaterais ou
regionais do que em negociações globais, mas isso é uma negação do processo
diplomático da ONU, que é multilateral e precisa ser assinado por todos. Além
disso, são essas negociações globais que impulsionam os países a estabelecer
esses acordos menores.
Há hoje condições financeiras e sociais para que os
países estabeleçam planos que consigam limitar o aquecimento global à meta de
dois graus de elevação até o fim do século, o ideal para evitar cenários de
contornos catastróficos?
Esse
ponto é um problema. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas, órgão da ONU) dá estimativas dos esforços que seriam
necessários para atingir tal objetivo, e não estamos próximos de cumpri-los.
Mas não vamos ser pessimistas, porque as coisas estão progredindo. Uma
indústria poderosa de renováveis está sendo construída, e isso é importante
porque no começo não havia nenhum interesse econômico nas negociações. Como os
Estados Unidos estão de olho na indústria renovável, os seus diplomatas devem
aceitar termos com os quais eles não concordariam no passado”.
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